SIC ROUBA BOTIJA De GÁS E DÁ PORRADA AOS IRMÃOS TANDALA
As lágrimas correm pelo rosto de Eugénia Pedro Dinis. Ajeita-se na cadeira, procura manter a compostura. O marido, carinhoso, tenta acalmá-la para que ela consiga falar, partilhar o seu testemunho sobre a forma brutal como os seus quatro filhos foram espancados e detidos, em sua casa e na sua presença, por sete agentes do Serviço de Investigação Criminal (SIC), sem mandado de captura ou de busca. Narra como os agentes “saquearam” também a sua casa, tendo levado uma botija de gás e o redutor que estava ligado ao fogão, um televisor, 150 mil kwanzas, um estabilizador de energia e uma ventoinha. O calvário da família dura há um mês e é de interesse público.
Depois da detenção dos quatro irmãos, a 17 de Abril, interviemos junto das autoridades policiais no sentido de garantir o cumprimento da lei e o respeito pelos direitos humanos. Passados alguns dias, Nunes Sebastião Tandala “Angolano”, de 31 anos, Domingos Tandala “Mano Mingo”, de 29 anos, e Valter Sebastião Tandala “Lúcio”, de 27 anos, foram declarados inocentes e libertados. Contudo, o mais novo dos irmãos, Estévão Dinis Tandala “VT”, de 23 anos, permaneceu detido na 44.ª Esquadra, conhecida como a Esquadra dos Contentores, no bairro da Estalagem, município de Viana. Dias depois, foi transferido para a Penitenciária de Viana, onde actualmente se encontra, acusado de furto de um televisor, apenas porque o confesso ladrão do televisor, sob tortura, indicou a casa dos Tandala.
A iniciativa de aconselhar as autoridades a investigar devidamente o caso logo após o sucedido, em vez da denúncia, resultou apenas na libertação parcial de três irmãos, um dos quais foi espancado e detido novamente dias depois. Haverá ainda motivações políticas subjacentes na operação, comunicadas à família, devido ao activismo político de dois dos irmãos. Maka Angola cumpre o dever de publicar o caso.
O caso
Passava das 9h00 quando “nos assustámos com a presença de sete DNICs [Direcção Nacional de Investigação Criminal, a predecessora do SIC] com coletes. Não mostraram nenhum papel [mandado de captura ou de busca] nem perguntaram pelo nome de ninguém. Trouxeram um menino algemado para indicar, mas este não conhecia ninguém”, conta Eugénia Pedro Dinis, vendedora no mercado dos Congolenses.
“Os homens da DNIC [SIC] perguntaram: ‘São esses?’ [O jovem algemado] disse ‘não são’. Então, dali, o dever era de se retirarem para irem procurar noutro sítio, mas além disso os homens da investigação já tinham a fotografia do Nunes”, recapitula o pai, Sebastião Domingos Tandala, veterano de guerra e actualmente guarda numa empresa privada de segurança.
“Começaram logo a surrar o meu filho mais velho, o Angolano, com coronhadas e paus, e um deles pegou numa pedra que tinha no quintal e começou a bater-lhe com a pedra”, explica a mãe.
Eugénia Pedro Dinis diz que tentou pedir explicações sobre o que se estava a passar. “Disseram-me para não falar nada, senão me dariam um tiro e me arrastariam. Um deles disse à minha neta Jéssica, de nove anos, que o pai dela, o Angolano, é gatuno. Pegou-a e atirou-a ao chão e ela teve uma entorse no pescoço. As outras netas também foram empurradas.”
“Eles [agentes do SIC] empurraram-me e disseram-me que levariam tudo o que havia de valor em casa. Foi assim que roubaram o televisor, foram à cozinha e tiraram a botija de gás que estava ligada ao fogão. Até o redutor levaram também. Carregaram a ventoinha e o estabilizador que estava ligado à arca”, explica a mãe.
“Depois foram ao meu quarto e roubaram os 150 mil kwanzas que eu e o meu marido tínhamos juntado para pagar as rendas de casa. Eles não explicam nada, não perguntam nada. Só sabem torturar e levar o que é alheio”, denuncia Eugénia Pedro Dinis.
O pai, Sebastião Domingos Tandala, acrescenta que os agentes “levaram também quatro pares de chinelos, daqueles que custam oito mil kwanzas cada, pertença dos meus filhos”.
Surgiram, então, os outros três irmãos, protestando contra o espancamento de Nunes Sebastião Tandala “Angolano”. Estêvão Tandala “VT” diz que foi empurrado por um agente e caiu numa grade que tinha garrafas vazias, tendo partido algumas. Aí os “polícias acusaram-nos de atacá-los com garrafas”, e começaram a distribuir pancadaria pelos quatro irmãos.
“O Ngola Kabango é o que estava a torturar mais”, diz a mãe. Faziam parte da missão, conforme identificação dos jovens, os agentes conhecidos apenas por “Vandamme”, Kito, Pessoa, Fortunato, Osvaldo e o chefe deles, Paulo.
“Os captores disseram aos meus filhos que os levariam a todos porque o Domingos e o Valter ‘são muito armados em revús e rebeldes’”, revela o pai dos rapazes.
De acordo com o pai, Mano Mingo notabilizou-se como “revú” [revolucionário] nas manifestações antigovernamentais que dezenas de jovens têm vindo a organizar desde 2011, inspirados pela Primavera Árabe.
Sebastião Domingos Tandala confessa que tanto Mano Mingo como Valter, conhecido como “Lúcio”, são hoje militantes e activistas assumidos da UNITA. “Essa é a grande bandidagem deles, porque estão a mobilizar os outros”, sublinha.
“Os investigadores perguntaram-me depois [já na esquadra] se os meus filhos são da UNITA e disseram-me que os matariam. É uma pena que nenhum chefe me queira ouvir sobre isso. A UNITA não é pessoa, é animal. É assim que eles vêem a situação”, lamenta.
Depois do ataque inicial ao “Angolano”, suspeito sobre o qual impendia a captura, na esquadra e depois da nossa intervenção, ficámos a saber que os outros irmãos estavam detidos por desacato à autoridade.
Entretanto, “Angolano” saiu ilibado e o mais novo dos irmãos, Estêvão Dinis Tandala “VT”, acabou como suspeito, sob o Processo n.º 6271/17-VN, por furto de residência.
“O moço que mostrou a minha casa, o Adão Domingos Miguel, foi detido por ofensas corporais, mas na esquadra deram conta de que tinha furtado um televisor”, descreve Estêvão Tandala, a partir da cadeia.
“Eu nunca andei com ele nem de noite nem de dia. Nunca convivi com ele. Ele vive distante do meu bairro. A polícia andava à sua procura e dos membros do seu grupo, ‘Os Bela’”, continua.
“Ele foi à minha casa por ordem do SIC, depois de o terem torturado. Ele e o SIC sabem que o moço que vendeu o plasma, o Dinis, é meu vizinho e fugiu do bairro. Eu soube disso na esquadra. O SIC não me pediu para mostrar casa nenhuma e queriam que eu assumisse a venda do televisor”, remata.
Até à sua detenção, o jovem trabalhava no negócio improvisado do irmão Nunes Sebastião Tandala, de venda de hambúrgueres, cachorros-quentes e bebidas (a chamada rulote), na vizinhança.
Na segunda-feira passada, 15 de Maio, operativos do SIC detiveram novamente Nunes Sebastião Tandala “Angolano”, no Quilómetro 30, em Viana, espancaram-no e instauraram-lhe o processo n.º 6606/17, por suspeita de venda de baterias de automóvel roubadas. “Angolano” tem antecedentes criminais. Passou cinco anos na cadeia, até 2013, por furto de motorizada.
Como se podem distinguir os agentes da lei e da ordem dos bandidos nesta história? O que é que a botija de gás, cuja falta causa tanto transtorno a Eugénia Dinis, dificultando-lhe a tarefa de cozinhar para a sua família, tem a ver com as actividades dos seus filhos? Como se combate a delinquência com actos de delinquência?
Tudo vai mal quando os agentes do SIC agem como delinquentes. Como impõe a lei, face a esta denúncia pública da prática de crimes, a Procuradoria-Geral da República é obrigada a iniciar uma investigação. Para já, a botija de gás deve ser imediatamente devolvida à Eugénia Dinis. Ficamos a aguardar resultados rápidos.