ZÉ MARIA E AS MULHERES: UM GENERAL PSICOPATA? – PARTE I
Na fronteira leste, aumenta a tensão militar e o potencial de conflito entre Angola e a República Democrática do Congo. Milhares de congoleses, escapando à brutalidade das suas forças militares e rebeldes, buscam refúgio nas Lundas. Enquanto isso, no Serviço de Inteligência e Segurança Militar (SISM), órgão vital para análise e orientação da situação, o seu chefe, o infame general José António Maria “Zé Maria”, de 74 anos, passa grande parte do seu tempo a dar luta a copeiras e empregadas de limpeza, para o que emprega meios oficiais e altas patentes a si subordinadas.
Sempre que reporto assuntos sobre os seus abusos, o general Zé Maria profere longos discursos no SISM, em que me apelida de “Diabo”. E porque sou visto como tal, não acedo directamente ao seu “paraíso” para o contraditório. Deixo aqui o repto para um encontro em tribunal, que tanto poderá ser um “inferno” como um “paraíso” para ambos. Outrossim, como manda a lei, o Maka Angola está aberto à publicação da resposta do general.
Trazemos agora a lume os depoimentos de algumas mulheres suas vítimas: Muenga Cristina, a prima Farida Marta e irmãs Núria e Helena Bengui resistiram aos alegados assédios do general e contam como foram despedidas de forma humilhante, sem nunca terem assinado contratos que as vinculassem ao SISM. Falam contra o medo e as ameaças de que têm sido alvo. Quebram o tabu à volta da figura temerosa e tenebrosa do general Zé Maria.
Muenga Cristina
Muenga Cristina, de 24 anos, é estudante do 4º ano do curso de Análises Clínicas. Foi despedida a 10 de Março, depois de um ano e cinco meses de trabalho como copeira, com a tarefa de servir directamente o general Zé Maria.
“O general ligava muitas vezes para mim [fora das horas normais de expediente], para perguntar o que eu estava a fazer. Pediu-me documentos e organizou-me um estágio lá [posto de saúde do SISM] por dois ou três meses. Enaltecia-me pela minha escolha. Punha-me sempre no quadro de honra na TV do refeitório, com o meu documento e uma música”, relembra Muenga Cristina.
“Um dia perguntou-me se eu tinha conta no banco. Pelas histórias que ouvia, preferi dizer que não. Quando fui servi-lo, colocou um envelope debaixo do prato com 50 mil kwanzas.” O general disse que o dinheiro serviria para ela abrir uma conta bancária. Muenga preferiu não reagir nem fazer alarido, porque estavam na hora do almoço, com muitas pessoas à volta.
“Eu disse ao chefe que eu me sacrificava bastante e nunca ninguém me tinha oferecido tanto dinheiro por nada. Ele disse que só me queria ajudar e que 50 mil kwanzas não eram nada para ele. No dia seguinte, ele disse que eu me senti constrangida com a oferta e exigiu a devolução do dinheiro. Eu tinha-o guardado em casa e levei o dinheiro para o entregar, mas ele disse que estava muito ocupado. Aconselharam-me e disseram-me para esperar. Depois disso, já não me dava confiança. Era como se não me conhecesse.”
Até ao dia em que, na troca de bandeja de frutas, Muenga se esqueceu de remover duas rodelas de banana sem casca. “Eu estava no estágio e chamaram-me de urgência, porque havia um problema com a fruta”, conta.
Muenga Cristina entrou em pânico ao ver o brigadeiro Óscar e o general Zé Maria a postos para a reunião de emergência sobre as frutas. “A colega denunciou-me. O general chamou o responsável do centro médico para ver as bananas e disse que eu não prestava e não podia trabalhar na saúde.”
Como punição, o general Zé Maria “disse que eu era capaz de matar, de falsificar um teste de DNA, de usar uma seringa em dois pacientes. Pus-me a chorar. Estava muito nervosa. Levaram-me para a casa de banho. Desmaiei e tiveram de me dar Diazepam para acalmar-me. Tive sangramento nas narinas e um ataque de nervos”.
Ao retomar o trabalho, coube ao brigadeiro Óscar comunicar-lhe que estava despedida, explicando que, por orientação do general e enquanto finalista, tinha de procurar emprego no sector da saúde.
“O brigadeiro Óscar disse-me que o chefe [general Zé Maria] me tinha dado a escolher entre ir para a rua ou ficar na limpeza com um salário mais baixo, de 57 mil kwanzas.”
Para suportar os seus estudos, Muenga Cristina aceitou. “O general humilhava-me sempre e utilizava-me como exemplo de falta de higiene.”
“No dia 10 de Março, perguntou-me pelo nome de um osso da mão. Eu estava distraída. Não respondi, e ele despediu-me de imediato. No mesmo dia despediu também a Efigénia Ribeiro, que fazia o curso de enfermagem, porque lhe perguntou pelo nome de num osso do pé e ela levou tempo a responder”, revela.
Ainda no mesmo dia, 10 de Março, uma outra colega da copa também teve o mesmo destino. “A Conceição, que estuda economia, foi despedida por causa de uma pergunta sobre operações matemáticas. Mesmo sabendo responder, as pessoas são despedidas, o comportamento dele [do general Zé Maria] intimida. Por mais que saibamos, entramos em pânico. A Conceição ficou a tremer e só depois respondeu”, assevera.
Farida Marta
A 27 de Abril, o general Zé Maria despediu Farida Marta, alegadamente com o argumento de que não sabia limpar o chão.
“Quando comecei a trabalhar, [o general Zé Maria] tratava-me como princesa. Disseram-me que o chefe estava de olho numa novata, que era eu. Disseram-me que eu tinha de dar o iogurte”, explica.
“O general mandou-me chamar e pediu ao capitão Alberto para me levar a uma loja da UNITEL e escolher o telefone mais caro”, afirma Farida.
Na baixa de Luanda, Farida confessou a Alberto “que não estava a entender porque tinha de escolher um telefone para o general. O capitão disse-me que eu ia entender e tinha de escolher para ele [capitão] não perder o seu emprego”, conta.
Perante a resistência da jovem, o capitão “escolheu um telefone de 180 mil kwanzas e perguntou-me se gostei. Respondi que sim, mas que o meu salário não chegava. Pediu-me para levar as facturas”. No fim, não houve compra de telefone.
“O chefe ligava-me muitas vezes. Mandava os capangas dele ligarem. Era mais o coronel Jorge, aquele que tem bigode assim tipo o meu falecido avô, quem fazia os telefonemas e lhe passava as chamadas”, explica Farida, sorrindo sobre a forma como aparentemente resistia às investidas do general. Este fartou-se.
“As pessoas diziam-me que o chefe estava decepcionado comigo, e ele afastou-me da mesa do refeitório onde comia ao lado dele todos os dias. A mesa tem oito a dez lugares e ele não se senta com generais ou oficiais, só com mulheres. As colegas gozavam comigo e diziam que eu não tinha dado o meu iogurte”, denuncia.
“O coronel Jorge veio ter comigo e disse-me que o chefe mandou transmitir-me que eu não sei varrer e tenho de ir para casa aprender”, diz Farida.
Noutro episódio, o chefe do SISM pediu a Zumira para cantar a música “Alma nua”, de Edmázia Mayembe. Ela não a sabia, e foi também despedida a 27 de Abril. “[O general] chamou-a de matumba e disse que a mãe dela tinha de a educar melhor. O coronel Jorge também lhe transmitiu que tinha de ir para casa aprender a cantar com a mãe”, relata Farida.
“Antes de sair dei um grito de alegria, de adeus. Foi um sufoco trabalhar ali [no SISM]. E ele [general Zé Maria] estava a ouvir. Pararam-me e disseram-me que tinha de pedir ‘permita’ a ele e eu disse que ele já não era meu chefe. Dei as costas e fui-me embora. Ligaram-me no dia seguinte a chamarem-me de malandra e que me levariam a tribunal”, desabafa.
Continua amanhã