Parecia haver poucas certezas e, após um primeiro contacto via Facebook, o próprio Paulo Catarro recusou-nos qualquer confirmação.
Ainda assim, noutros lados havia certezas. Por exemplo, o portal Clube K Angola publicou esta notícia sobre Paulo Catarro, onde especifica as suas funções no "no 7.º andar do edifício sede da Sonangol" e cita fontes internas a revelarem (ainda que de forma pouco sustentada) algum desconforto de "cariz xenófobo".
É o mesmo portal que, em 2011, dava conta, neste artigo, que o trabalho de Paulo Catarro como jornalista da RTP era visto por muitos como "prestável ao regime e distante em relação à oposição". Não são acusações novas para Paulo Catarro, que após uma longa carreira no Desporto da RTP foi para Luanda em 2009.
[Nota: O referido artigo recorda uma referência que Miguel Relvas terá feito sobre Paulo Catarro, "num acto da Assembleia da República", definindo o correspondente da RTP como sendo "apreciado pela elite angolana". A SÁBADO contactou o ex-ministro para confirmar a frase. "Não me lembro", respondeu. Mas confirmou que fez referências a Paulo Catarro numa comissão parlamentar. Miguel Relvas foi, entre 2011 e 2013, ministro-Adjunto e dos Assuntos Parlamentares do governo de Pedro Passos Coelho, tendo a tutela da comunicação social, que inclui a RTP. Nessa qualidade visitou Angola duas vezes em 2012, chegando a participar numa edição especial do programa da RTP Prós & Contras em Luanda. Relvas diz à SÁBADO que, nessas visitas, "várias pessoas lhe fizeram referências muito positivas" sobre Paulo Catarro, mas não nos precisou que pessoas eram.]
Depois do referido contacto via Facebook, Paulo Catarro ligou-nos a partir de Luanda. Após 14 minutos, a chamada caiu e ligámos de volta.
Venho perguntar-lhe sobre a sua situação profissional. Há blogues e notícias de jornais angolanos que o dão como estando a trabalhar na Sonangol. Confirma?
A minha situação profissional só interessa a mim e aos meus empregadores. O que era público, foi público. Fui jornalista durante 30 anos, 27 dos quais ao serviço da RTP.
Os rumores de que andava nos corredores da Sonangol não lhe merecem comentários?
Não!
Porque acha que ganhou estes anti-corpos? Por exemplo, é acusado de ter omitido numa reportagem uma agressão de que foi alvo em Luanda. [Aqui]
Basta ver a reportagem.
Omitiu?
Não. Sabe, eu tenho a grande vantagem: todo o meu trabalho está gravado.
Mas esteve nos corredores da Sonangol ou não?
Estive, como estive noutros lugares.
Porque saiu da RTP?
Foi opção minha. Oiça, se eu não fosse isento, a RTP não me deixaria em Luanda oito anos.
E pode dizer ou não qual é a sua actividade profissional em Angola agora?
Sou consultor de comunicação.
De que empresa?
Da Sonangol.
Quando surgiu o convite?
O que é que isso tem a ver?
Pode ser pertinente se o convite foi há um mês ou há um ano, ou há dois, e durante esse tempo era jornalista da RTP.
Não tenho que falar disso. Deixei de ser jornalista da RTP no dia 28 de Fevereiro, dia em que entreguei a minha carteira profissional.
Fez muitos trabalhos sobre a Sonangol como correspondente da RTP?
Não. Até porque a empresa faz apenas uma conferência por ano.
Quando está oito anos em Luanda e se sai para ir para a empresa petrolífera estatal significa que não foi um jornalista incómodo. Concorda?
Não há jornalistas incómodos, há jornalistas bons e maus. E eu incluo-me no primeiro grupo, dos bons.
Mas não considera válida e lógica a conclusão?
Não, não considero.
Mas se tivesse importunado os poderes estatais em Angola e as suas personalidades, como foi feito a partir de Lisboa em vários jornais e em várias revistas, não teria sido convidado para uma empresa estatal com o peso da Sonangol…
É a sua conclusão…
Mas considera uma conclusão lógica?
Não.
Porquê?
Eu tenho atrás de mim, como lhe disse, mais de 5 mil reportagens que o senhor desconhece em absoluto.
Mas sabe que o problema não é o que as reportagens mostram… Aquilo de que é acusado…
… não, o senhor é que está a dizer que eu não era incómodo ou era incómodo ou não sei quê… O jornalismo é para reportar factos e situações. Não é uma questão de ser incómodo ou não.
Pode-me dar um exemplo de uma reportagem sua que tenha causado incómodos?
Mas qual causar incómodos? Nunca fui questionado em toda a minha vida por reportagens que fiz, nunca dei azo a que isso acontecesse. Eu sei que os jornalistas gostam muito de se transformar na estrela da companhia, eh pá, mas eu nunca fui estrela de companhia. Eu limitei-me a fazer o meu trabalho. Até um dia, e nesse dia acabou.
Quando é que esse dia acabou?
Outra vez? No dia 28 de Fevereiro.
Desculpe estar a repisar nesta tecla porque penso que é uma tecla importante. Quando é que surgiu o convite?
Isso não lhe vou responder. Isso faz parte da minha vida privada. A minha actividade pública foi como jornalista da Renascença, primeiro, e depois na RTP.
Mas o convite surgiu quando era jornalista da RTP?
É o que está a dizer, a conclusão é sua.
Não, não, estou a perguntar.
Mas eu não lhe vou responder a isso. A partir do momento em que eu deixei de ser jornalista e deixei de ser funcionário da RTP, eu não tenho que dar satisfações sobre quais são as minhas escolhas de vida.
Depende da escolhas. Não concorda?
Pois, isso se eu for um ladrão ou se eu for um assassino, é natural que...
Ninguém lhe está a perguntar isso. Concorda que estando oito anos em Luanda e sai da RTP para ir para a Sonangol, concorda que é legítimo que lhe perguntem o que é que aconteceu?
Pois, o que aconteceu está expresso nas reportagens todas que eu fiz. O senhor acha que eu fui uma pessoa que não fiz nada de interesse. Bom, são 5 mil e tal reportagens, eu sei que é um bocado chato ir ver, mas verifica-se aí facilmente aquilo que eu andei aqui a fazer durante oito anos.
Mas, como lhe disse há pouco, a agenda mediática em Lisboa foi, grande parte dessa agenda, foi composta por notícias vindas de Luanda, do governo…
Mais uma vez isso não corresponde à realidade, porque como há pouco me disse, até ficou surpreendido com o volume de peças que ouviu, portanto não havia assim tantas peças.
Mas estou a falar de todas as noticias que foram feitas em Lisboa nos últimos oito anos, sobre manifestações, sobre…
Fiz peças de Telejornal, como era normal, como muitas vezes acontecia. A agenda não foi dominada só sobre... Agora, que em Lisboa, muitas vezes, como está a dizer, inventam coisas sobre pessoas, como é o meu caso, isso é evidente. Nunca pensei que fosse tão famoso, para chegar a ser alvo de uma publicação no site esquerda.net.
Mas não foi só esse site, foi uma queixa para o Provedor da RTP, foram notícias de jornais de Angola, como o Novo Jornal, ou o Folha 8.
Tem ideia de quantas queixas há para o Provedor da RTP todos os dias? E depois uma queixa significa o quê? Que o acusado cometeu um crime?
Claro que não.
É que eu acho espantoso o senhor estar a questionar uma reportagem que nem sequer viu nem ouviu. Mas toma como verdadeiro o que escreve o jornalismo do Folha 8.
Se o Paulo Catarro ainda fosse jornalista não achava pertinente que eu lhe fizesse agora a pergunta do que é que está a fazer na Sonangol?
Não, já lhe disse que não. O que eu faço, não é um problema que diga respeito a ninguém. Diz respeito às pessoas que me contrataram.
Que pessoas foram essas?
Também não lhe vou dizer, como é óbvio, é um assunto que é da minha privacidade e das pessoas que me endereçaram esse convite.
A direcção da RTP soube do timing desse convite e das pessoas que o fizeram?
Por que é que a RTP tinha que saber?
Ok, não informou a RTP para onde é que ia. Disse só que se ia embora, é isso?
Ia sair. Eu pedi para sair e a RTP achou que me devia libertar em condições que entendeu estabelecer. Que eu cumpri, escrupulosamente até ao último dia. Uma pessoa é também acusada disso?
Quando é que comunicou à RTP?
Eu não comuniquei à RTP, eu disse à RTP que pretendia sair. A RTP, se quiser, pode-lhe vir a dar conta disso.
Já está aberto um concurso para novo correspondente da RTP em Luanda?
O que eu acho espantoso é esse volume de informações que o senhor tem... É que já está um correspondente aqui a trabalhar há mais de um mês. Por isso eu acho notável…
Mas o meu artigo não é sobre o novo correspondente.
O volume de informações que o senhor tem... Realmente.
Ok, Paulo, obrigado pela sua...
... chama-se José Manuel Levy. É o novo correspondente da RTP.
Houve algum concurso intermédio da RTP nestes oito anos?
Pois, se eu estive aqui oito anos foi porque a RTP entendeu que eu deveria estar aqui.
Mas candidatou-se?
Pois, candidatei-me, e foram seguidos todos os trâmites normais.
Só há um concurso novo quando o correspondente sai?
Não, não, não. Este concurso, aliás, foi publicado nos jornais todos, admira-me que não saiba, foi aberto em Dezembro.
Estava a perguntar se antes desta sua saída, se houve outro concurso, em que o Paulo ganhou, ou renovou?
Sim, renovei. De dois em dois anos renovei a minha situação.
Foi sempre o único concorrente?
Isso tem de perguntar à RTP. Não faço ideia.
[Nota: Depois desta entrevista, a SÁBADO apurou que o concurso interno para novo correspondente em Luanda foi aberto a 24 de Outubro. Paulo Catarro candidatou-se (além de outros colegas), mas subitamente, no final de Janeiro, desistiu. Anunciou que ia sair e a RTP ter-lhe-á pedido para assegurar as suas funções mais um mês, até haver novo correspondente. Uma fonte da RTP revelou à SÁBADO que Paulo Catarro não informou a empresa que ia para a Sonangol - e quando se soube da novidade, houve "um profundo incómodo" na redacção da estação.]
Ok, Paulo, obrigado. Se por acaso mudar de ideias relativamente à sua ocupação neste momento na empresa... É que só vai criar especulação o não dizer o que está a fazer exactamente na Sonangol. A questão é se o Paulo vai dizer por sua viva voz ou se se vai saber por outra forma. Está a fazer alguma coisa de ilegal?
Sabe, eu tenho 30 anos de jornalismo. Não me assusta este tipo de conversa e de interrogatórios. Eu já fiz muitas entrevistas e muitas conversas deste género. Por isso, pode dizer o que quiser sobre isso. Também há alguns limites, como sabe, ou deveria saber.
Não acha preferível ser o Paulo a dizer o que faz?
Não, não acho. É assim, aquilo que eu faço na minha vida, felizmente até hoje, sou eu que decido.
Não estou a dizer o contrário.
Não é nenhum jornalista, não é ninguém que seja o que seja. Publique o que quiser publicar. Se falar que eu estou a fazer alguma coisa de ilegal, assumirá depois as consequências disso.
Por que é que eu haveria de dizer isso?
Acabou de me dizer isso: está a fazer alguma coisa ilegal.
Estava a perguntar. E por não estar a fazer nada ilegal é que não faz sentido não dizer o que está a fazer.
Por não estar a fazer nada ilegal, por não ser perseguido de nada, não sou acusado de nada, não cometi nenhum crime, não tenho que estar a ser sujeito a uma série de aleivosias. Por isso é que eu não respondo a este tipo de coisas. E pelos vistos já fiz mal em responder-lhe a si.
Não acha pertinente as perguntas?
Para si pode ser tudo pertinente, como também terá que reconher que as pessoas têm o direito a responder ou não. Eu acho que esse assunto diz respeito à empresa que me contratou e a mim. É bom que veja essa reportagem que esse fulano que diz que viu e que tem essas omissões. Porque ao propagar coisas que não são verdade, como sabe, há alturas em que as pessoas se cansam disso.
Alguma vez tentou, por exemplo, contactar para uma entrevista as várias figuras da sociedade angolana e do sistema politico angolano que eram alvo de várias notícias em Lisboa?
Está a ensinar-me como é que se faz jornalismo, portanto?
Não, estou a fazer-lhe uma pergunta. É que o Paulo esteve oito anos no sítio onde estão as pessoas de que se fala em Lisboa.
Não discuto a forma como faço jornalismo. O meu trabalho foi escrutinado e é escrutinável no futuro, tudo aquilo que eu fiz. Gostava que as outras pessoas todas que escrevem aquilo que lhes dá na real gana também fossem escrutinadas dessa forma. Portanto, eu estou perfeitamente à vontade. Vejam as reportagens.
As suas respostas é que não estão a indicar que está perfeitamente à vontade. O problema é esse.
Eu? Pois, é a sua opinião. Pode dizer o que quiser sobre isso. Se disser alguma coisa que não corresponde à realidade…
Quando lhe pergunto o que faz na empresa petrolífera estatal angolana e não responde é porque não está à vontade. Concorda, ou estou a exagerar?
É o que acha. Felizmente, estou muito à vontade.
Quando lhe pergunto se, como jornalista residente em Luanda, alguma vez tentou contactar todas as várias personalidades angolanas que foram alvo de notícias em Lisboa nos últimos oito anos, a única resposta é "você não me vai ensinar a fazer jornalismo", dá a entender que não está confortável.
O que lhe estive a dar a entender até agora foi exactamente o contrário. O senhor quer escrever uma coisa e é a tal coisa, é o jornalismo de hoje, querem escrever aquilo que lhes convém e não aquilo que as pessoas lhes dizem.
Não, estou a fazer-lhe as perguntas que fazem sentido.
A única coisa que pode dizer é "ele não respondeu". Agora dizer que eu estou à vontade ou que não estou à vontade… desculpe, isso não é uma conclusão que se possa extrair de nada daquilo que eu disse. Se me estivesse a rir muito já estaria à vontade? O meu trabalho é escrutinado, pelos vistos muito mais que o seu, felizmente. Eu não tenho nenhum problema em dizer que o meu trabalho foi escrutinado. O meu trabalho foi escrutinado durante estes anos todos.
Mas eu sou jornalista de uma empresa privada. É um pouco diferente.
Pois. Se eu estive 27 anos na RTP, foi porque entenderam. Não foi seguramente por entenderem que eu não era um bom jornalista. Ou acha que sim?
Não sei.
Pois, ah, não sabe também. Pois.
O facto de uma pessoa estar a exercer muito tempo numa profissão não quer dizer que ela seja boa na profissão. Sabe disso, não sabe?
Pois, é a sua opinião. Já vi que o seu interesse desde o início já está claro. Pronto.
O meu interesse é tentar perceber porque é que um jornalista da RTP em Luanda nos últimos 8 anos sai da RTP e vai para a Sonangol. É só perceber por quê.
Porque foi uma opção do jornalista da RTP que deixou de ser jornalista da RTP.
Ok, Paulo, não o maço mais. Obrigado.
Obrigado.
Qualquer coisa, tem o meu número. Abraço, obrigado.
Adeus, adeus.
Revista SÁBAD