Quando comecei, há pelo menos dois anos, a ouvir as primeiras notícias sobre este bairro, construído a três pancadas (mais uma e meia de bónus) no Panguila, para efeitos de realojamento urgente, pensei que se tratava apenas de uma casa onde, quem de direito, teria colocado duas ou três famílias a residirem (muito) temporariamente.
Em média, a família angolana é numerosa por definição, sobretudo quando comparada com a realidade dos países mais ricos do mundo (USA/Europa), onde, de acordo com as estatísticas, os casais só pensam em ter um segundo filho depois da realização de várias cimeiras domésticas e outros tantos estudos de viabilidade.
Depois, os seus governos/partidos passam a vida a queixar-se que a população autóctone está a envelhecer a olhos vistos e que os “aliens” estão a invadir os seus belos países.
Pudera… Eles não sabem que a natureza tem horror do vazio?
Uma reportagem publicada na última edição do NJ mostrou-nos que o problema da coabitação não pacífica- e nada recomendável pelos manuais- naquele bairro é muito mais abrangente e, obviamente, muito mais chocante, a roçar mesmo o surrealismo de uma “solução” imposta de cima, do tipo ou sim ou sopas ou tendas ou nada.
É pegar ou largar!
Digamos que o referido problema, que já virou drama a caminho da tragédia, é praticamente extensivo a todas as “casas de esferovite” que lá foram edificadas em tempo recorde, para acolherem mais algumas centenas, senão mesmo milhares de famílias, desalojadas de uma favela qualquer, localizada no apetecível casco urbano desta Luanda, pelo incansável e insaciável camartelo ao serviço do progresso e da requalificação, segundo consta da sua agenda publica e privada.
Desta nossa capital que quer virar Xangai, custe o que custar e em menos tempo se for possível, ignorando/atropelando todos os princípios da urbanização moderna, nomeadamente aquele que aponta para a necessidade de se salvaguardar sempre o equilíbrio entre o betão armado (em mais esperto que os outros) que sobe na vertical e as zonas verdes/espaço público que só se podem espalhar na horizontal.
No Panguila, o tal bairro, tendo em conta a mencionada coabitação de várias famílias na mesma minúscula casa, que nunca tem mais do que três quartos de dormir, só pode estar a produzir doidos varridos.
Os seus moradores são candidatos naturais a essa condição por razões demasiado óbvias, que dispensam qualquer investigação mais científica, sendo esta necessária talvez a posteriori para identificar e definir os sintomas e o tratamento de um novo síndroma, que poderá ser o “síndroma traumático da pós coabitação familiar forçada”. O STPCFF.
É verdadeiramente um bairro de doidos como quer sinalizar de forma intermitente a epígrafe destes “Secos” que hoje, com esta inspiradora história (?!), têm toda a razão de ficar bem “Molhados”, ensopados mesmo, com as lágrimas de desespero dos seus moradores, mais a água da transpiração, confrontados diariamente com uma tal “solução”, que já é definitiva, a não ser que aconteça algum milagre.
É verdadeiramente um bairro de doidos como quer sinalizar de forma intermitente a epígrafe destes “Secos” que hoje, com esta inspiradora história (?!), têm toda a razão de ficar bem “Molhados”, ensopados mesmo, com as lágrimas de desespero dos seus moradores, mais a água da transpiração, confrontados diariamente com uma tal “solução”, que já é definitiva, a não ser que aconteça algum milagre.
Para já o milagre da “descoabitação” vai ter de ser resolvido pelos próprios “coabitados”, com a procura por meios próprios de outras paragens habitacionais mais de acordo com a dignidade/privacidade de uma vida em família.
Em principio nada de bom vai acontecer naquele bairro, a manter-se por tempo indeterminado e em regime de coabitação a vida na mesma exígua casa de numerosas famílias que não têm nenhuma afinidade, para além de hoje estarem a partilhar meia dúzia de metros quadrados com umas paredes pelo meio e um tecto em cima.
Lembro-me que a única vez que tive uma experiência parecida com esta, tinha eu 5/6 anos de idade, tendo algumas das minhas tias e respectiva prole, refugiando-se em minha casa por altura dos acontecimentos do 4 de Fevereiro/15 de Março de 1961, quando rebentou o “terrorismo”. Era esta era exactamente a palavra que as autoridades portuguesas usavam para classificar o inicio da luta nacionalista contra o colono.
O meu pai na altura tinha sido preso pela PIDE. Era mais um “terrorista”.
Já não me lembro quanto tempo demorou aquela coabitação forçada pela conjuntura na Vila-Alice, mas recordo-me que cedo começaram a surgir os problemas de relacionamento que se foram agravando com o passar do tempo, numa casa que estava de facto superpovoada com tanta gente para tão pouco espaço.
Hoje passados todos estes anos e olhando para a casa dos meus pais, ainda me pergunto como foi possível vivermos todos ali naquela casa.
Pouco espaço, salvo seja, porque era sem dúvida bem maior, muito maior mesmo, incluindo os dois quintais, do aquele que hoje dispõem as famílias encafuadas no Panguila.
E nós, note-se, éramos mesmo uma família de verdade, como continuamos a ser até hoje.
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