Juizes ou Carrascos: A Maldade do Poder Judicial em Angola
Não acompanhei de perto o julgamento do líder da seita "A Luz do Mundo", José Julino Kalupeteka, por isso, não me posso pronunciar sobre todos os aspectos deste julgamento em detalhe. Mas duas coisas sobressaem desde logo: a brutalidade da sentença imposta pelo juiz Afonso Pinto, que condena Kalupeteka a 28 anos de prisão, e a nebulosidade das imputações dos homicídios.
É verdade que pelo artigo 73.º do Código Penal a pena de prisão em cúmulo jurídico pode ir até 30 anos. No entanto, neste caso, mais uma vez estamos perante uma situação em que o sentir da comunidade jurídica reflecte que se está perante uma verdadeira aberração, pois as provas não eram convincentes, não existindo qualquer ligação estabelecida concretamente entre os agentes específicos e os crimes.
Isto leva-nos ao papel que os juízes (ou pelos muitos juízes de primeira instância) estão a ter no desmoronamento do Estado de Direito em Angola, ou melhor dizendo, na demonstração de que não existe. O que existe é apenas uma pintura formal a fingir que existe um Estado.
Na realidade, observa-se como um pequeno grupo de pessoas deitou a mão ao poder e passou a deter as riquezas do país fingindo que é o Estado.
José Jolino Kalupeteka, o líder da seita "A Luz do Mundo, cujos peregrinos foram massacrados por forças policias e militares há um ano, será o símbolo da loucura que se apoderou dos donos do país. Kalupeteka foi condenado a 28 anos de prisão.
Angola está a caminhar a largos passos para ser um Estado falhado, em que os cofres foram saqueados, a população morre das mais variadas doenças, o caos ameaça instalar-se.
Muitos juízes, como o José Sequeira que há dias ordenou a detenção de um morto, começam a ser o símbolo máximo da festança da ditadura, não exercendo o seu múnus com a tranquilidade e imparcialidade necessárias. Se a população não confia no poder político, não confia nos juízes, vai confiar em quem?
Num sistema liberal e democrático, o juiz é um poder próprio cuja principal função é proteger o indivíduo, salvaguardar as liberdades e agir como contra-balanço ao poder político e às paixões demagógicas. O dever essencial do juiz é dizer não, equilibrar, balancear e proteger as pessoas de forma igual.
Os juízes não se podem tornar nos carrascos ao serviço do regime, pelo contrário, têm que ser a face sábia e ponderada do Estado, e sobretudo o seu trabalho tem que convencer a comunidade em que estão envolvidos. Sistematicamente, a comunidade está a repudiar a actuação do poder judicial, por o considerar um mero funcionário às ordens do Presidente, que não é jurista. É o ditador.
O juiz não é um justiceiro, mas um mediador de conflitos a quem a sociedade reconheceu legitimidade e sabedoria para tal função. Isto é, o juiz é mais um sacerdote, que um guerreiro. Mais um solucionador, um diplomata, do que um cavaleiro de capa e espada. O juiz não é o braço do poder executivo, nem a caixa-de-ressonância da opinião pública. Ao juiz não compete confirmar os actos do poder executivo, nem aplicar a justiça como as eventuais ou putativas maiorias populares desejam.
Tivemos juízes desses nos tempos da Inquisição, nos tempos do nazismo na Alemanha, ou nos países comunistas. Em todas estas sociedades, o juiz era uma espécie de braço armado do poder que se limitava a prolongar a vontade dos chefes, fossem eles Santos Padres, Führers ou secretários-gerais dos Partidos Comunistas.
A visão acerca dos juízes nas sociedades autoritárias é peculiar. São executores de políticas. São carrascos. Os seus tribunais são órgãos independentes.
Estamos agora perante carrascos, e não juízes. Em Angola deixamos de ter juízes e temos carrascos. Temos uma ditadura e não uma democracia. E a ditadura será derrubada e os carrascos serão julgados.
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