NA HORA DO ADEUS, CAMARADA PRESIDENTE
É com enorme sentimento de esperança que lhe escrevo novamente para, em primeiro lugar, felicitá-lo pela sua decisão de se reformar da presidência da República de Angola, após 38 anos de poder.
Muitos se interrogam sobre as razões que terão pesado na sua decisão. Desde especulações sobre o seu estado de saúde, a vontade pessoal, o esgotamento da sua imagem por causa dos escândalos de corrupção e incompetência do seu governo, a falência das suas políticas económico-sociais. Seja como for, a verdade é uma, camarada presidente: a decisão é acertada e deve representar um grande alívio para si, assim como para todos os angolanos de bem que aspiram à mudança e a uma nova liderança.
Mas é de esperança que devemos falar. Conto-lhe uma breve conversa que tive a caminho do aeroporto, em Joanesburgo, com o taxista zimbabweano. Falou-me do seu anúncio como algo positivo que deveria inspirar o seu presidente, Robert Mugabe, de 93 anos, a seguir o mesmo caminho. Na lista dos presidentes longevos, liderada pelo da Guiné-Equatorial, Teodoro Obiang Nguema, com mais um mês no cargo do que o camarada presidente, Robert Mugabe é o terceiro. Ao optar voluntariamente pela sua saída, o camarada presidente acaba de tornar-se um exemplo entre os ditadores. É um mérito. Oxalá o sigam.
Acredito que, nos meses que lhe restam enquanto presidente, o camarada tomará algumas decisões destinadas a limpar e a arrumar um pouco o seu governo, para que o seu sucessor encontre uma casa com certa ordem.
Um dos pontos que mais tem desgastado a sua imagem e que exige atenção urgente é a partilha do poder com os seus filhos. Aproveite para criar também um ambiente de humildade e segurança no que diz respeito à sua família, tomando a decisão de demitir, também voluntariamente, os seus filhos José Filomeno do Santos da presidência do Fundo Soberano, e Isabel dos Santos da Sonangol. Isso teria um significado muito importante, prenunciando o fim do nepotismo. O seu sucessor e respectivo governo não seriam tentados a seguir as más práticas do passado, e a sociedade tornar-se-ia mais exigente na demanda pela transparência, integridade e boa conduta dos dirigentes.
Ademais, seria sem dúvida um imenso alívio para os seus filhos, que, livres desses encargos oficiais, poderiam então dedicar-se a gozar as suas fortunas. De outro modo, estarão sob maior pressão pública, porque serão vistos como a continuidade do poder do seu pai, e terão de prestar contas, independentemente da protecção que o próximo presidente lhes possa oferecer, por obediência, lealdade, respeito ou temor a si.
Não basta o seu anúncio de saída, camarada presidente, para garantir o seu estatuto pós-presidencial: pode e deve tomar medidas simbólicas demonstrativas de que está a arrumar a casa para o próximo inquilino. Valoriza-o a si e deve ser parte do seu legado.
Camarada presidente, tenho sido um crítico acérrimo do seu poder, pelas consequências que tem infligido no desvario da corrupção e na violação sistemática dos direitos humanos.
Mas o que mais ressinto, como ser humano e cidadão angolano, é o modo como o seu regime depauperou os angolanos excluídos dos privilégios ou da protecção do seu poder, negando-lhes dignidade enquanto indivíduos.
Incontáveis vezes me sinto isolado, hostilizado e humilhado por lutar pelos direitos dos meus concidadãos e por um governo que os sirva com honestidade e devoção. Sinto por vezes como se estivesse a cometer um crime. Por essa luta, alguns dos seus acólitos, como o embaixador António Luvualu de Carvalho, chegaram a apodar-me publicamente de traidor, de vende-pátria. É irónico: os que roubam e desgraçam Angola, em conluio com parceiros estrangeiros e escondem as riquezas do país no exterior, passaram a ser os grandes patriotas.
Confesso que, em determinada altura, dormia mais do que devia por exaustão e via bastante televisão como anestesia, mas nunca perdi a esperança e o norte. A sua saída oferece a melhor oportunidade histórica para afirmar a cidadania e libertar a mentalidade colectiva dos angolanos dos traumas da violência política, da humilhação dos predadores, do jugo da propaganda, da mentira, da repressão e da falsa ideia de que só a corrupção enriquece o homem. Hoje, orgulho-me de fazer a diferença.
É pelo triunfo da cidadania que continuarei a lutar, desta vez sem mais reservas e receios, porque não podemos deixar escapar esta oportunidade de contribuirmos para uma Angola em que o bem-estar do cidadão seja o foco das prioridades do novo governo. Falhámos em 1975 (independência unilateral), em 1992 (guerra pós-eleitoral) e, com a paz de 2002, vimos os recursos do país servirem para a acumulação primitiva de capital por parte dos dirigentes, familiares e parceiros de negócios. Hoje temos um Estado falido, vivemos de aparências, medos e ódios incubados.
Camarada presidente, mais uma vez, saúdo-o pela sua corajosa decisão de permitir aos angolanos um novo começo. Adeus, camarada presidente. Votos sinceros de longa vida.
Pela transformação de Angola, lutemos pela cidadania.
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