O presidente da República, José Eduardo dos Santos, encontra-se ausente do país há mais de 40 dias, sem uma explicação oficial.
Por norma, quando o presidente viaja para o interior ou exterior do país, os principais membros dos órgãos de soberania e do seu executivo perfilham-se em cumprimentos de despedida junto ao avião. O ritual repete-se no seu regresso.
A 26 de Junho passado, José Eduardo dos Santos embarcou na Base Aérea Militar nº 1, em Luanda, com destino a Barcelona. A sua viagem foi anunciada publicamente pela presidência e destacada pelos mídia estatais como “visita de carácter privado”. Em 34 anos de poder, esta é a primeira vez que Dos Santos se encontra ausente do país, de forma ininterrupta, por mais de um mês.
No ano passado, o presidente esteve em Barcelona por duas semanas, em visita privada. À chegada a Luanda, a 11 de Julho de 2012, o então vice-presidente Fernando Dias dos Santos “Nandó”, apresentou-lhe os cumprimentos de boas-vindas, com cobertura mediática. O mesmo aconteceu em 2011 e em 2009.
Estranhamente, o presidente apenas realiza ou anuncia visitas privadas a Barcelona. Será a única cidade no mundo que lhe agrada visitar?
Rumores, com origem no seu séquito, referem sempre as suas viagens à Espanha como visitas para exames ou tratamento médico. Também se diz que, em algumas ocasiões, o presidente passa apenas por Barcelona, com destino ao leste da Europa, para cuidar da sua saúde em segredo.
Em 2006, após uma fuga de informação ter gerado notícias na imprensa brasileira, a Presidência da República sancionou a divulgação da informação em Angola sobre o internamento do presidente numa clínica no Rio de Janeiro, Brasil.
A notícia indicava que Dos Santos havia tido “uma reacção alérgica ao iodo radioactivo usado como contraste num exame, mas já teve alta e está de boa saúde”.
A Angop referiu também que o Chefe de Estado padecia, há alguns anos, de uma lesão no tendão de Aquiles, do pé esquerdo.
José Eduardo dos Santos é, antes de tudo, um ser humano. É espantoso como a sua imagem foi construída como alguém que não adoece nem precisa de férias, mas apenas de visitas privadas a Barcelona.
A ausência injustificada do presidente do país é uma grande falta de respeito à sociedade angolana. É um acto de arrogância que demonstra, sobremaneira, o grau cumulativo de indiferença, apatia e ignorância que enfermam a nossa sociedade.
No entanto, o cerne da questão, sobre a ausência do presidente, pouco tem a ver com o seu estado de saúde. A preocupação deve ser mais profunda.
Estranhamente, a ausência do presidente Dos Santos gera um ambiente político sereno. O sistema de auto-gestão do seu executivo é menos danoso: “patrão fora, dia santo na loja”. A população, no geral, manifesta indiferença à sua ausência. Essa indiferença pode ser interpretada como um alívio no contexto actual em que o regime se serve apenas do Estado e trata a população, para além da necessidade do voto, como marginal.
De certo modo, a sociedade sente mais a presença do presidente em quatro vertentes fundamentais: a sua especialidade no controlo do aparelho repressivo; a sua mestria na gestão dos assuntos e fundos do Estado como actos sobre a sua propriedade privada; a sua excelência na manipulação dos jogos de intrigas políticas, sociais e económicas a seu favor; o seu poder de infiltração e corrupção de governos estrangeiros, sobretudo o português, por via da satisfação dos seus interesses económicos, para sua legitimação e protecção internacional.
Caso Angola tivesse instituições soberanas subordinadas ao Estado democrático e de direito, a Assembleia Nacional, já deveria estar a trabalhar na substituição do líder ausente.
A lei concede a todos os funcionários públicos, incluindo o mais alto magistrado da Nação, um período de férias anual de 30 dias. O presidente da República não está acima da lei, como ele próprio cinicamente faz questão de lembrar aos seus principais críticos. Do mais alto servidor público esperam-se exemplos que inspirem o escrupuloso cumprimento da lei.
Ao exceder largamente o período de férias a que tem direito, sem justificação oficial, José Eduardo dos Santos incorre no acto de abandono do lugar. Cabe ao Tribunal Constitucional, de acordo com a Constituição, verificar a vacatura do cargo de presidente da República.
Ninguém nega a Dos Santos, como qualquer servidor público, o direito de desfrutar de férias anuais. Como qualquer mortal, ninguém exige que JES seja imune a doenças e à necessidade de assistência médica.
Mas férias ou idas a médicos explicam-se facilmente. Todos os angolanos aceitariam com naturalidade a informação de que o presidente da República está enfermo. Quem está livre disso? Fazer de Dos Santos um ser mitológico como o grego Aquiles, aparentemente imune a doenças e de todo invulnerável, excepto no tendão, só provoca especulações.
A questão fundamental reside em aferir até que ponto José Eduardo dos Santos faz falta à sociedade, na condição de presidente. O fim do seu poder significaria o caos para Angola ou o início de uma nova era de liberdade e democratização efectiva?
Ao ignorar o poder dos soberanos que o elegeram, de forma atípica, José Eduardo dos Santos legitima as exigências para a sua demissão.
O país não deve continuar refém da figura do actual presidente do MPLA e da República.