Petrolíferas dos EUA afastam Angola de mecanismo de transparência
Divulgação: Planalto De Malanje Rio Capôpa
18.12.2013
O lobby petrolífero dos Estados Unidos pretende excluir Angola e três outros países de uma nova lei norte-americana para aumentar a transparência das indústrias extractivas.
A instituição africana Open Society (OSISA), “convoca a sociedade civil angolana para se impor nacional e internacionalmente, para garantir que Angola seja incluída na regulamentação.” Legislação europeia no mesmo sentido vai ser introduzida nos 28 estados membros, com data limite de 2015, e não permite que qualquer país seja excluído. O que dizem as leis e que impacto podem ter em Angola?
Este último ano, tanto nos Estados Unidos como na União Europeia, têm-se feito progressos para tentar criar um padrão de transparência no que se refere às indústrias extractivas. Que legislação é essa?
Na União Europeia, fala-se das Accounting and Transparency Directives, adoptadas em Junho de 2013, e, nos Estados Unidos, do Dodd-Frank Act assinado em 2010 por Barack Obama.
É nos Estados Unidos que a controvérsia relativamente à inclusão ou não de Angola nas provisões legais está a ter lugar. O que é que esta legislação implica?
No caso do Dodd-Frank Act, trata-se de uma provisão específica dentro da lei que obriga a principal autoridade da bolsa americana (a SEC) a criar uma nova regulamentação. Esta regulamentação deve obrigar todas as empresas de petróleo, gás e minério que estejam listadas junto da SEC a divulgar publicamente os pagamentos que fazem aos governos dos países em que operam.
Que tipo de pagamentos têm as empresas extractivas que divulgar?
Todo o tipo de pagamentos: impostos, taxas, bónus, dividendos, pagamentos por infra-estruturas, entre outros. E esses pagamentos devem estar discriminados país a país e projecto a projecto.
E que impacto prático pode isso ter?
No caso de Angola, por exemplo, as empresas petrolíferas que operam na província de Cabinda estão obrigadas por lei a transferir 10% dos seus lucros da região ao governo de Cabinda, a serem usados para investimento público. Elias Isaac, autor do artigo publicado na Open Society a 13 de dezembro, afirma que, devido a falta de transparência, “o governo nunca recebe os 10%. Na maioria dos casos o pagamento é feito arbitrariamente, e o governo de Cabinda recebe menos de 1% dos lucros locais.” Esta legislação, que obriga à discriminação de todos os pagamentos, tornaria mais fácil a regularização de situações como esta.
Em que é que esta lei beneficiaria Angola?
Segundo Elias Isaac, a legislação promotora de transparência no campo dos pagamentos governamentais traz benefícios para todas as partes envolvidas.
A divulgação pública dos pagamentos ajudaria o governo angolano a prevenir que os lucros de petróleo, gás e minério sejam mal geridos ou perdidos para a corrupção. O governo beneficiaria ainda de um melhor clima de investimento, “ao mostrar aos investidores globais que o governo se está a comprometer com a prevenção da corrupção, o que por sua vez promove estabilidade económica e política.”
A sociedade civil poderia ter detalhes sobre os pagamentos da indústria extractiva, o que lhe permitira responsabilizar o governo pela forma como esses fundos são gastos.
A indústria extractiva ficaria mais próxima das comunidades anfitriãs, mostrando-lhes a sua contribuição para os lucros públicos, o que reduziria a probabilidade de conflitos ou protestos.
Mas um lobby petrolífero norte-americano não quer que Angola seja incluída nesta provisão. Qual é a justificação?
Em Julho de 2013 o American Petroleum Institute (API) apresentou um contraponto legal à provisão do Dodd-Frank Act que define estas obrigações. A API, um lobby que inclui a BP, a Total e a ExxonMobil, entre outros, afirma que em Angola, como na China, no Qatar e nos Camarões, as leis nacionais proibem a divulgação de pagamentos dos lucros, e que, por isso, “estes países devem ser isentos da lei.”
E isso é verdade?
De acordo com a Open Society, a API não apresentou nenhuma base credível para suportar esta afirmação. Embora a lei angola diga, de facto, que “todas as informações relacionadas com as finanças fornecidas por companhias petrolíferas devem ser confidenciais”, os seus Production Sharing Agreements permitem que essa informação seja divulgada se qualquer outra lei ou regulamentação aplicáveis o exijam. Aliás, a Statoil, uma empresa norueguesa que tem negócios em Angola, já revelou os valores dos seus pagamentos ao governo angolano no seu relatório de 2012.
O que resultou, então, do protesto da API?
Em Julho de 2013, um tribunal americano mandou retirar as regulamentações feitas pela SEC relativamente a esta cláusula da divulgação pública dos pagamentos. A SEC não é obrigada a remover a cláusula completamente, mas vai ter que rever os regulamentos construídos e justificar as decisões tomadas.
Então e onde é que entra a legislação da União Europeia?
A legislação europeia é muito semelhante ao Dodd-Frank Act, e foi adoptada em Junho de 2013, intregrada nas Accounting and Transparency Directives. Exige basicamente o mesmo às indústrias extractivas – que divulguem publicamente todos os seus pagamentos aos governos com os quais operam – mas vai ainda mais longe do que a legislação americana nalgumas questões. A legislação aprovada vai ser incorporada na lei dos 28 estados membros com data limite de 2015, e não permite que qualquer país seja excluído.
Logo, independentemente do que se passe nos EUA, as empresas extractivas que sejam abrangidas pela legislação europeia vão ter que revelar publicamente os seus pagamentos a partir de 2016?
Sim, e isto inclui empresas como a BP, a Total, a Eni, a Tullow e a Repsol.
O que é que pode acontecer agora?
Para evitar criar um desequilíbrio de oportunidades para as empresas extractivas em Angola, prevê-se que a SEC “deverá assegurar que nenhum país é excluído da regra implementada nos Estados Unidos.”
Se a API for bem-sucedida em excluir Angola das regulamentações da SEC, que efeito terá isso?
Empresas como a Chevron, a ExxonMobil, a Cobalt, a Marathon e a Vaalco vão poder continuar a manter secretos os valores e natureza dos seus pagamentos ao governo angolano.
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