José Eduardo dos Santos é o 2º presidente da República há mais tempo no cargo em todo o planeta. Com 34 anos no poder, só perde, por pouco mais de um mês, para Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, da Guiné Equatorial. E nunca foi eleito para o cargo. Seja qual for o ponto de vista pelo qual se olhe para o seu regime, é difícil não ver a marca indelével de uma ditadura. Mas o mundo prefere fingir que não vê. Principalmente desde que este regime está sentado sobre uma infinidade de poços de petróleo e de minas de diamantes.
Nunca foi eleito nominalmente
José Eduardo dos Santos chegou à Presidência de Angola, por decisão do MPLA, como sucessor de Agostinho Neto. As primeiras e únicas eleições presidenciais que disputou ocorreram num interregno da guerra civil, em 1992, depois dos acordos de Bicesse. Foi ele que venceu, oficialmente com 49,57% dos votos, contra 40,6% de Jonas Savimbi. Mas, pela lei eleitoral previamente acordada, para ser eleito, o candidato vencedor teria de obter mais de 50% dos votos, o que obrigava à realização de uma segunda volta. Esta, porém, nunca chegou a ocorrer – o MPLA aproveitou a presença em Luanda de parte da liderança da UNITA para desencadear um massacre, que trouxe de volta a guerra.
Só viriam finalmente a realizar-se eleições, legislativas, em 2008, depois da morte de Savimbi e do fim da guerra. O MPLA ganhou esmagadoramente, com 81,6%. Deveriam ter-se seguido as eleições presidenciais, mas José Eduardo dos Santos decidiu de outra forma. Em vez de realizá-las, mudou a Constituição, que ele mesmo promulgou em 2010, estabelecendo que o presidente não é eleito diretamente, é automaticamente o líder do partido mais votado. Assim, em 2012 o MPLA ganhou com 71% dos votos novas legislativas, e Eduardo dos Santos obteve um mandato presidencial de cinco anos, findo o qual poderá ainda recandidatar-se. Registe-se que as eleições foram amplamente contestadas pelos partidos de oposição.
Subida ao poder
José Eduardo dos Santos tomou posse na Presidência da República Popular de Angola no dia 20 de setembro de 1979, quando tinha 37 anos, sucedendo a Agostinho Neto, morto em Moscovo por complicações após uma cirurgia a um cancro hepático.
A escolha do jovem Eduardo dos Santos foi, para muitos, uma surpresa. Na época, estavam ainda presos centenas de ex-militantes do MPLA acusados de “fraccionismo” e de envolvimento numa tentativa fracassada de um suposto golpe desencadeado em 27 de maio de 1977. José Eduardo dos Santos chefiara, antes daquela data, uma comissão de inquérito anterior a esses acontecimentos, para investigar se havia ou não fraccionismo no MPLA, comissão essa que produziu um relatório inconclusivo e que até hoje não é oficialmente conhecido. Nos acontecimentos do 27 de maio, em que terão sido massacradas pelo menos 30 mil pessoas, o nome de Eduardo dos Santos e o do então primeiro-ministro Lopo do Nascimento teriam feito parte das listas dos dirigentes a serem presos, o que acabaria por não ocorrer.
Justino Pinto de Andrade, que na época estava deportado no Moxico, Leste de Angola, depois de ter sido preso por fazer parte da corrente Revolta Ativa, recorda que quando soube da morte de Agostinho Neto, temeu a ocorrência de uma qualquer forma de sublevação, ou até mesmo uma “quartelada” estimulada por alguma ala interna do partido.
“Passado o transe começou então a falar-se insistentemente nas diversas hipóteses para ocupar o lugar deixado vago por Neto: Lúcio Lara? Ambrósio Lukoki? Pascoal Luvualu? José Eduardo dos Santos?”, lembra ele. Eduardo dos Santos ficara a substituir o presidente, por ser o 1º Vice-Primeiro-Ministro e Ministro das Relações Exteriores. “JES era demasiado enigmático. Pouco se lhe ouvia falar”. Esse caráter do então ministro ajudou à sua escolha. “Todos pensaram que facilmente o poderiam influenciar. Os outros potenciais candidatos à sucessão de Agostinho Neto possuíam perfis polémicos, ou eram demasiado previsíveis”, explica Justino Pinto de Andrade, atualmente dirigente do Bloco Democrático.
“Durante muito tempo José Eduardo dos Santos não mexeu numa “palha”, porque estava demasiado condicionado pelos seus pares. Mas houve mesmo quem o achasse simplesmente o continuador de um projeto para que fora moldado na sua juventude como estudante na União Soviética. Estaria então 'a jogar o jogo' de que mais gostava…”
No conto “O bom déspota”, publicado recentemente na revista Granta, o escritor angolano José Eduardo Agualusa retrata com perfeição a forma de atuar do jovem presidente nesses primeiros anos. O conto simula as recordações do próprio Eduardo dos Santos, na primeira pessoa:
“Durante os primeiros anos fingi-me de morto. Deixei que me vissem como um fiel herdeiro do falecido Presidente e, ao mesmo tempo, fui libertando sem alarde os fraccionistas que haviam sobrevivido aos fuzilamentos e aos campos de concentração. Nomeei alguns para importantes cargos governamentais. Nunca mais criaram problemas”.
Vitória na guerra civil
Numa entrevista recente à rede Bandeirantes do Brasil, o presidente angolano reconheceu que está há demasiado tempo no poder e justificou essa tão longa permanência com as contingências da guerra. “Eu acho que é muito tempo, até demasiado, mas também temos que ver as razões de natureza conjuntural que nos levaram a esta situação”, disse, argumentando que a permanência do conflito impediu o funcionamento da democracia. “Depois da independência, acho que foram trinta e tal anos de guerra, em que o país ficou adiado, portanto não pôde consolidar essas instituições do Estado, nem sequer pôde tornar regular o funcionamento do processo de democratização, por isso muitas vezes as eleições tiveram que ser adiadas”.
Na ânsia de justificar o injustificável, José Eduardo dos Santos, que viveu todo esse episódio como presidente, é estranhamente impreciso. Na verdade, a guerra durou não “trinta e tal”, mas 27 anos, entre 1975 e 2002, terminando com a morte de Savimbi e a capitulação da Unita. Ela serviu como álibi para o poder absoluto do MPLA durante todos esses anos, e o presidente conseguiu chegar ao fim com um capital de poder e de prestígio reforçados, a que só os vitoriosos têm acesso. Nesses anos, ele soube equilibrar-se no interior do partido e do Estado, nunca perdendo o apoio dos chefes militares, e manobrando entre as ofensivas militares e as negociações de paz, como as de 1992, que apenas serviriam de trampolim para uma nova fase da guerra.
Mas a transição decisiva foi a que ele empreendeu depois da queda do muro de Berlim. No já citado conto, José Agualusa resume de forma brilhante a viragem política empreendida por Eduardo dos Santos. Mais uma vez, simulando o pensamento do “Bom déspota”:
“A queda do Muro de Berlim aconteceu no momento certo. Por um lado, permitiu-me afastar um ou outro marxista fanático, trôpegas múmias ideológicas, perdidas no tempo, que não se deixavam comprar, nem com cargos nem com bens de consumo. Por outro, permitiu-me abrir o país às delícias do capitalismo, para benefício de toda a nossa grande família e do país em geral. A abertura ao capitalismo foi também a grande machadada na guerrilha, até essa altura apoiada pelos Estados Unidos e pela direita internacional. Se nós nos juntávamos ao capitalismo, porque haveria o capitalismo de nos combater?”
Se, até à sua retirada em 1991, o apoio das tropas cubanas fora decisivo para os rumos da guerra, barrando a ofensiva da África do Sul em apoio à Unita, nos anos 90 as mudanças da política do MPLA, enterrando os bustos de Lenine e as referências ao socialismo e proclamando a adesão às teses capitalistas e a um arremedo de regime multipartidário, abolindo proclamatoriamente o sistema de partido único, seriam decisivas no terreno geoestratégico. Os poços de petróleo controlados pelo governo de Luanda valiam mais do que as minas de diamantes sob controlo da Unita, e José Eduardo dos Santos conseguiu convencer Washington de que o seu governo estava agora aberto a todos os negócios.
Com estes trunfos, a derrota de Savimbi na nova fase da guerra, após o fracasso dos acordos de Bicesse, era uma questão de tempo. Sem o apoio dos EUA, a Unita retrocedia. Mas o epílogo ainda demoraria dez anos a chegar, no dia em que o líder do Galo Negro foi apanhado e morto no mato, ingloriamente, a 22 de fevereiro de 2002, depois de ver o seu partido esfacelar-se em dissidências.
Condenação do socialismo
Eduardo dos Santos, o engenheiro de petróleo formado pelo Instituto de Petróleo e Química de Baku, na então União Soviética, não mostrou qualquer remorso ao afastar-se do modelo socialista que abraçara desde a juventude. Numa entrevista ao semanário Expresso, de 18 de Julho de 1992, quando lhe foi perguntado se, numa análise retrospetiva, o modelo socialista não estaria condenado à partida, respondeu: "Penso que estava condenado ao fracasso. Mas não era essa a conclusão a que se tinha chegado naquela altura, em que se pensava que o socialismo era uma alternativa ao capitalismo".
Noutra entrevista, publicada na revista Le Courrier de março-abril de 1992, voltaria ao tema: “... O sistema de gestão da economia socialista não era capaz de dar resposta aos numerosos problemas com que se defrontava a sociedade. O afundamento do sistema socialista não foi uma grande surpresa para nós e não nos afetou profundamente. Nós já nos havíamos engajado em todo um processo de reajustamento do nosso sistema.” As mudanças começaram a ser implantadas pelo MPLA no III Congresso extraordinário de 1992, quando o partido retira “Partido do Trabalho” do nome, o termo “Popular” sai da designação do país, e a Assembleia do Povo passa a chamar-se Assembleia Nacional, mudanças simbólicas para uma alteração mais profunda, a da implantação de uma oligarquia capitalista opulenta, retirando lucros pessoais dos proveitos da exploração do petróleo, gás e diamantes, os ramos que respondem pela quase totalidade das receitas do país.
Livre da guerra, Angola cresceu exuerantemente. Entre 2004 e 2008, a economia angolana teve um crescimento médio de 17% ao ano; a crise financeira internacional provocou uma sensível desaceleração entre 2009 e 2011, com valores entre 2,4% e 3,4%; mas o índice subiu em 2012 para perto dos 7%.
Para cumprir os seus novos desígnios, José Eduardo dos Santos passou a conduzir o governo como se fosse a sua empresa de investimentos privada”, afirma a revista Forbes num artigo assinado pelo correspondente Mfonobong Nsehe. Diante das péssimas condições sócio-económicas em que continua a viver a maioria da população, acusa o artigo, o presidente não se deixa abalar e “canaliza as suas energias para intimidar os média e desviar fundos para a sua conta pessoal e da sua família”, que controla uma grande parcela da economia angolana.
Negócios do MPLA e da Família Santos
Voltemos a 1992. Em setembro desse ano, dirigentes do MPLA criaram formalmente o conglomerado de negócios do partido, a GEFI – Sociedade de Gestão e Participações Financeiras. São membros do Bureau Político do partido, presidentes de empresas públicas, assessores do presidente. A GEFI-S.A., detalha o jornalista Rafael Marques no seu estudo “MPLA – Sociedade Anónima”, tem uma carteira de negócios que inclui a participação em 64 empresas com operaçõesno domínio da hotelaria, indústria, banca, pescas, comunicação social, construção, imobiliária. A sociedade serve para alienar, de forma obscura, património do Estado a favor da GEFI, para benefício financeiro e patrimonial do MPLA. O estudo conclui que esta transferência de património “deve ser entendida no contexto institucional de divisão dos recursos do Estado entre certas figuras, famílias da elite dominante e seus associados nacionais e estrangeiros”.
Que a primeira beneficiária é a família do próprio José Eduardo dos Santos ninguém duvida. Em janeiro de 2013, a filha mais velha do presidente de Angola, Isabel dos Santos, tornou-se na primeira bilionária africana, de acordo com a revista norte-americana Forbes,que afirma que as ações de empresas cotadas em Portugal, caso do BPI e da ZON, juntamente com ativos em Angola, “elevaram o valor líquido [da fortuna de Isabel dos Santos] acima da fasquia de mil milhões de dólares, fazendo da empresária de 40 anos a primeira mulher bilionária africana”.
A origem da fortuna, diz a Forbes, é que Isabel dos Santos fica com parte dasempresas que querem estabelecer-se em Angola, ou beneficia-se da providencial assinatura do pai numa lei ou decreto. Outro artigo sobre os negócios da filha mais velha do presidente afirma que incluí-laem todos os grandes negócios feitos em Angola é, para José Eduardo dos Santos, uma “forma de extrair dinheiro do seu país, enquanto se mantém à distância, de maneira formal”. Desta forma, “se for derrubado, pode reclamar os seus bens, através da sua filha. Se morrer enquanto está no poder, ela mantém o saque na família.”
O segundo filho, por ordem de idade, é José Filomeno dos Santos, “Zenú”, nascido da ligação com Maria Luísa Perdigão Abrantes, a segunda mulher de José Eduardo dos Santos. Zenú foi nomeado para gerir o Fundo Soberano de Angola, dotado de 5.000 milhões de dólares e, como veremos, é apontado como um possível sucessor.
Coréon Dú Irmãos de Zenú são Welwitschia José dos Santos, “Tchizé”, e José Eduardo Paulino dos Santos, “Coréon Dú”, que em 2006 usaram o endereço do Palácio Presidencial como residência privada para criar a Semba Comunicação, que hoje gere o segundo canal da Televisão Pública de Angola (TPA 2). A Semba Comunicação recebe mais de 40 milhões de dólares do orçamento da Presidência para a gestão da TPA 2 e outras supostas ações de melhoria da imagem presidencial. Coréon Dú procura também cimentar uma carreira de músico e foi em novembro de 2013 nomeado Vogal no Conselho Superior do Memorial Dr. António Agostinho Neto.
Finalmente, os três filhos do casamento de José Eduardo dos Santos com Ana Paula dos Santos – Eduane Danilo, Joseana e Eduardo Breno – também já se estrearam no mundo empresarial junto com a mãe, Ana Paula dos Santos, a sociedade anónima Deana Day Spa, dona de um Centro de Beleza e Estética na Marginal de Luanda. Não se sabe de onde veio o dinheiro para este investimento.
Para além da família, “o círculo dos mais endinheirados empresários angolanos é fechado por pessoas muito próximas a José Eduardo dos Santos de entre as quais avultam os generais Kopelipa (ministro de Estado e chefe da Casa Militar do Presidente da República), Dino Fragoso (ex-chefe das Comunicações da Presidência da República e atual assessor do chefe da Casa Civil) e Manuel Vicente, o recém nomeado ministro de Estado da Coordenação Económica e Produtiva”, enumera um artigo do Maka Angola.
“A acumulação primitiva do capital em Angola”
Num recente discurso, José Eduardo dos Santos explicou a sua tese sobre a necessidade de criar uma elite de ricos empresários: é a teoria da “acumulação primitiva de capital”. Com uma linguagem vagamente marxista, é uma reedição do famoso dito de Deng Xiaoping “enriquecer é glorioso”, ou o mais antigo, mas não menos famoso, apelo de Bukhárin aos camponeses donos de grandes propriedades na Rússia soviética: “Kulaks, enriquecei-vos!”
Disse o presidente angolano no discurso do Estado da Nação de 16 de outubro de 2013:
“A acumulação primitiva do capital nos países ocidentais ocorreu há centenas de anos e nessa altura as suas regras de jogo eram outras. A acumulação primitiva de capital que tem lugar hoje em África deve ser adequada à nossa realidade”.
Esta adequação, explica, implica que qualquer cidadão nacional possa ter acesso à propriedade privada e “criar riqueza pessoal e património”, tal como os cidadãos estrangeiros, que podem “criar empresas de direito angolano e integrar-se na economia nacional”.
Ora, diz o presidente, as empresas americanas, inglesas e francesas do setor dos petróleos as empresas e bancos comerciais com interesses portugueses “levam de Angola todos os anos dezenas de biliões de dólares”. Sendo assim, “por que é que eles podem ter empresas privadas dessa dimensão e os angolanos não?”
A resposta de José Eduardo dos Santos é: “Nós precisamos de empresas, empresários e grupos económicos nacionais fortes e eficientes no setor público e privado e de elites capazes em todos os domínios, para sairmos progressivamente da situação de país subdesenvolvido”.
O problema é que essa “elite capaz em todos os domínios” não tira o país do subdesenvolvimento, porque o povo continua miserável. O relatório Africa Progress Report 2013, elaborado em maio por um grupo de personalidades coordenada por Kofi Annan e do qual faz parte Graça Machel, mostra como Angola tem um dos padrões mais desiguais de distribuição do rendimento de toda a África. O forte crescimento da última década teve um efeito praticamente nulo na forma como a maioria da população continua a viver. “Enquanto a elite angolana usa o rendimento do petróleo para comprar ativos no estrangeiro, em Angola as crianças passam fome”, nota o relatório. A taxa de mortalidade infantil, até aos cinco anos, de Angola está no topo da lista: é a oitava maior do mundo, com 161 mortes em 1000 crianças por ano, o que representa 116 mil mortes todos os anos. A subnutrição explica um terço destes óbitos de crianças, esclarece.
Cerca de metade dos dez milhões de angolanos continua a viver com menos de 1,25 dólares por dia (um pouco menos de um euro), mas Angola é o segundo país exportador de petróleo da África subsariana e o quinto produtor mundial de diamantes e está entre o terço de países que mais cresceram entre 2000 e 2011 no mundo.
“Em nome do desenvolvimento económico, sob a égide do capitalismo, encontram-se justificações para a prática da corrupção, a falta de transparência nas contas do Estado e a falta de reconhecimento dos direitos de propriedade. A moral e a ética não fazem parte da cultura da 'burguesia angolana emergente', o que 'legitima' a coartação da democracia em defesa do status quo da elite reinante”, afirma o economista José Dias Amaral.
“José Eduardo dos Santos está há tanto tempo no cargo que passou a governar o país como um autêntico monarca”, acusa o cientista político Nelson Pestana, da Universidade Católica de Angola, e dirigente do Bloco Democrático.
O Príncipe quer perpetuar-se no poder
O ano de 2008 marcou o apogeu de José Eduardo dos Santos. Quatro anos de crescimento a 17% em média num país em paz ao fim de tantos anos de conflitos ofereceram ao líder do MPLA uma vitória esmagadora nas eleições legislativas – o seu partido teve mais de 80% dos votos. Mas mesmo com esse capital político na mão, preferiu jogar pelo seguro. Em vez de convocar para o ano seguinte eleições presidenciais, como previa a Constituição em vigor, preferiu alterá-la e criar um modelo “atípico”. A nova Constituição, aprovada na Assembleia Nacional, passou a determinar que o presidente será o cabeça de lista do partido mais votado nas eleições legislativas, acabando-se assim com as eleições diretas para a Presidência.
“Ao propor aquilo que chamou “eleição indireta atípica”, ele inventou um modelo político em que não há eleição do Presidente da República”, diz o cientista político Nelson Pestana. Para o dirigente do Bloco Democrático, “este modelo “atípico” que afasta os cidadãos da esfera política e reduz drasticamente a sua soberania, transferindo-a para os aparelhos partidários, surge para confortar a vontade do Príncipe de se ver legitimado retroativamente, porque foi cabeça de lista do partido vencedor das eleições legislativas de 2008 (daí o empenho na grande batota) e para elidir as eleições presidenciais republicanas que deveriam ter lugar este ano, segundo o compromisso que assumiu com o país, em 2006, reiterado na campanha eleitoral e na sequência, afinal, de muitos outros, também não honrados”.
Para o professor da Universidade católica de Luanda, o objetivo desta mudança constitucional foi claro: “A vantagem que o Príncipe vê nisto é a de se perpetuar no poder sem ser submetido ao escrutínio popular. É pois uma machadada na soberania do Povo, nos termos da Constituição, é um verdadeiro recuo no sistema político e no catálogo de direitos e liberdades dos cidadãos. (…) Na verdade, um dos objetivos do dito “novo ciclo” político foi o de afastar a política, a escolha, a decisão sobre a res publica dos cidadãos. Em termos analógicos, estamos em presença de um retorno ao partido único que como vanguarda do povo, escolhe sabiamente em seu nome”.
O pavor da rua
Assim, em 2012, José Eduardo dos Santos seria mais uma vez “eleito” para a presidência sem que o povo referendasse o seu nome, com a vitória do MPLA nas legislativas, por 71,8%, seguido da UNITA com 18,6% e da CASA-CE com 8%. Mas, apesar da enorme margem da vitória, o declínio do seu poder já começara, e isso refletiu-se no endurecimento do regime diante das manifestações de jovens que pediam a sua demissão.
O exemplo da Primavera árabe espalhou o pavor no círculo presidencial. Afinal, Ben Ali também fora eleito em 2009 com 89,6% dos votos, e em pouco tempo, desde que um jovem, no interior do país, decidiu imolar-se em protesto, um movimento nas ruas ganhou corpo e, imparável, derrubou-o e ao seu regime como se os alicerces fossem de papelão.
Em Angola não poderia acontecer o mesmo? Eduardo dos Santos prefere não correr riscos e por isso reprime até o funeral de um membro da oposição. Ao mesmo tempo multiplica as acusações, como no discurso que proferiu em 2011:
“Nas chamadas redes sociais, que são organizadas via Internet, e nalguns outros meios de comunicação social fala-se de revolução, mas não se fala de alternância democrática.
Para essa gente, revolução quer dizer juntar pessoas e fazer manifestações, mesmo as não autorizadas, para insultar, denegrir, provocar distúrbios e confusão, com o propósito de obrigar a polícia a agir e poderem dizer que não há liberdade de expressão e não há respeito pelos direitos.
É esta via de provocação que estão a escolher para tentar derrubar governos eleitos que estão no cumprimento do seu mandato”.
Noutra passagem do discurso, o presidente responde desta forma às acusações relacionadas com o seu enriquecimento:
“Na Internet, alguém pôs a circular a notícia de que o Presidente de Angola tem uma fortuna de vinte biliões de dólares no estrangeiro.
Se essa pessoa fosse honesta e séria, devia indicar imediatamente ao Departamento de Inteligência Financeira do Banco Nacional de Angola (BNA) os nomes dos bancos e os números das contas em que esse dinheiro está depositado, para que o Tesouro Nacional possa transferir esse montante para as suas contas”.
Sucessão indefinida
Com 34 anos de poder, José Eduardo dos Santos sofre do mal dos governantes que ficam demasiado tempo no cargo – a ânsia de perpetuar-se eternamente, a vertigem da sucessão monárquica. Mas nada está muito claro em termos sucessórios, e a situação pode complicar-se se se confirmarem os boatos de que o presidente sofre de um cancro.
Há quem aposte que Eduardo dos Santos pretende fazer do filho José Filomeno dos Santos, “Zenú”, o seu sucessor. Uma prova disso seria a sua nomeação para a presidência do Fundo Soberano de Angola, com cinco mil milhões de dólares para gastar. “Considero que a minha nomeação foi transparente porque foi amplamente divulgada e porque tenho a bagagem profissional para desempenhar essas funções”, disse José Filomeno numa entrevista, justificando a nomeação.
Pode ter currículo na área financeira para dirigir um fundo milionário, mas não parece ter experiência política para governar a oligarquia do poder sem a presença de Eduardo dos Santos. Com 36 anos, Zenu parece muito jovem para ascender à Presidência. Mas não esqueçamos que o pai chegou ao cargo aos 37.
Por Luís Leiria
Esquerda.net