Durante a época marxista-leninista, um dos mais populares slogans de propaganda política visando um país era simples e memorável: “Reagan! Tira as mãos de Angola.” Tratava-se, durante a Guerra Fria, de uma expressão política de pendor antiamericano, país liderado na época por Ronald Reagan.
O enorme cartaz de propaganda a que nos referimos encontra-se defronte do Comité de Acção n.º 76, da Camama Sede, em Luanda. Nele se apresentam os feitos do presidente José Eduardo dos Santos – e, por conseguinte, o estado da Nação – por meio do slogan “País estável e paz sólida”.
Com os dedos em V de “vitória”, a figura sorridente de José Eduardo dos Santos dá corpo a seis presumíveis conquistas do presidente, que terão criado a estabilidade do país e a solidez da paz:
1. Aposta no crescimento e no emprego
2. Mais cuidados de saúde
3. Melhor formação de professores
4. Atenção à mulher e à juventude
5. Acesso à riqueza é legítimo
6. Relação com Portugal alterada
Curiosamente, na Camama situa-se o primeiro hospital público construído de raiz desde 1975. Inaugurado em 2006 pelo presidente José Eduardo dos Santos, o Hospital Provincial de Luanda teve de encerrar portas em 2010, porque se encontrava em risco iminente de desabamento devido à sua péssima construção por uma empresa chinesa. A capital angolana, com mais de seis milhões de habitantes, continua a aguardar por um novo hospital público.
A 20 de Outubro passado, o secretário do presidente da República para os Assuntos Sociais, Simão Helena, visitou o Hospital Provincial do Kwanza-Sul e o Hospital Municipal do Porto-Amboim, e constatou, segundo a Angop, que nenhum deles oferece “condições de atendimento a pacientes”.
No município do Lucapa, na província da Lunda-Norte, rica em diamantes, os mortos são injectados com gasolina: um método rudimentar de conservação, aplicado devido à falta de uma morgue. Improvisos desta natureza ocorrem um pouco por todo o país.
Como parte da sua política de saúde, o presidente procedeu a cortes de 14,5 porcento no orçamento do sector para este ano, por comparação com o ano de 2013. A ADRA e o Observatório Político e Social de Angola (OPSA), no seu mais recente relatório sobre o Orçamento Geral do Estado (OGE), assinalam que o governo gasta quatro vezes mais com a defesa, a segurança e a ordem pública do que com a saúde. Em termos comparativos, estas entidades referem que Moçambique, país com muito menos recursos, gasta mais de 20 porcento do seu orçamento em serviços de saúde, enquanto o OGE nacional dedica este ano apenas 4,3% ao sector.
No que diz respeito ao emprego, à educação e à atenção à juventude, a propaganda do MPLA simplesmente desafia os jovens a responderem. Em Junho do ano passado, em entrevista à estação televisiva portuguesa SIC, José Eduardo dos Santos encorajou os jovens portugueses a emigrarem para Angola em busca de trabalho, uma vez que o país “tem grande falta de pessoal qualificado”. O presidente está no poder há 34 anos.
A ADRA e o OPSA fazem referência ao corte, no OGE de 2014, de 23,6 porcento do orçamento destinado à educação, por comparação com o ano passado. O Burundi e a Costa do Marfim, de acordo com o relatório acima mencionado, investem anualmente mais de 20 porcento do seu orçamento no sector da educação, enquanto Angola, para o corrente ano, gasta apenas 6,2 porcento.
“Como compreender que Angola continue a gastar na defesa, na segurança e na ordem pública quase três vezes mais do que gasta em educação? Que presente e futuro se pretende construir deste modo?”, interrogam as duas organizações.
Para justificar o saque levado a cabo pela família presidencial e por alguns generais e governantes, a propaganda do comité do MPLA fala em acesso legítimo à riqueza.
Será legítimo o enriquecimento ilícito?
Nas saudações de fim de ano, o membro do Bureau Político do MPLA e governador do Namibe, Rui Falcão Pinto de Andrade, criticou alguns dirigentes do seu próprio partido no que se refere ao tema do acesso e da distribuição da riqueza nacional.
“A riqueza do país não pode definitivamente cingir-se a meia dúzia de pessoas, é preciso levar o bem-estar a todas as famílias da nossa nação, e este é um trabalho imperioso, é um trabalho que temos que fazer com seriedade e espírito de militante”, afirmou Rui Falcão Pinto de Andrade.
Portugal aparece na lista devido a investigações preliminares da justiça sobre suspeitas de branqueamento de capitais por parte de dirigentes angolanos, incluindo o vice-presidente Manuel Vicente. É em Portugal que a maioria dos predadores angolanos esconde e investe parte considerável do saque às riquezas nacionais.
“Só com Portugal as coisas não estão bem. Têm surgido incompreensões ao nível da cúpula e o clima político actual, reinante nessa relação, não aconselha à construção da parceria estratégica antes anunciada”, afirmou o presidente no seu discurso sobre o estado da Nação, em Outubro passado.
Não houve qualquer modificação nas relações diplomáticas e comerciais entre Angola e Portugal. O discurso presidencial é apenas um exercício de chantagem e de retórica política. A reacção serve também para disfarçar a ausência de uma política externa séria, coerente e benéfica para os angolanos. A política externa é ditada mais pelos interesses privados de “meia dúzia de pessoas” e pela rotina das relações internacionais. A propaganda, por sua vez, é reveladora de “inércia e do espírito de deixa-andar” do MPLA, posturas igualmente criticadas por Rui Falcão Pinto de Andrade. O que o presidente afirmou, é lei e toca a andar.
No entanto, o servilismo perante o regime angolano revelado pelo presidente da República Portuguesa, Cavaco Silva, pelo ministro Rui Machete, por outros governantes e pela comunidade de portugueses em Angola não tem sido, ao que parece, suficiente para apaziguar os espíritos do Grande Líder.
Maka Angola