Há dias, o presidente da República de Angola nomeou o general Kundi Paihama para o cargo de governador do Huambo, a segunda província de maior importância geo-estratégica do país.
Aos 70 anos, Kundi Paihama é uma das grandes figuras da velha guarda do regime. Nem o facto de se encontrar em idade de reforma, nem o seu historial de incompetência crónica e de envolvimento em negócios escusos demoveram José Eduardo dos Santos desta nomeação.
Perplexidade
O Huambo é a segunda província de maior importância em termos de estratégia geopolítica, a seguir à de Luanda. Concentra o maior grupo étnico-linguístico do país, os ovimbundu. Já os portugueses, no seu desespero por manter Angola como colónia, sonhavam em instalar ali a capital do império: a Nova Lisboa. Em 1975, a UNITA e a FNLA decidiram que ali se situaria a capital da “República Democrática de Angola”, afrontando a decisão unilateral de independência do MPLA, em Luanda.
Perante a relevância desta província, há três elementos que suscitam incredulidade face à escolha do presidente. Kundi Paihama está em idade de reforma, personifica a incompetência crónica e está envolvido em negócios escusos. Por essas três razões, esperava-se que o presidente passasse este dirigente veterano, que tem ocupado cargos políticos desde 1976, à reforma.
Em Agosto passado, em entrevista à Rádio LAC, Kundi Paihama afirmou: “O meu sonho é viver nas lavras, no campo, e dedicar-me à agricultura. Isso sim, um dia que sair do governo, é o que eu farei sem dúvidas.” Irá cuidar das lavras aos 80 ou 85 anos?
As resistências do Huambo e as contas do presidente
Cada vez mais, o governo tem de responder às expectativas de uma população mais jovem e exigente, sobretudo nos domínios da educação, do emprego e da habitação. Mas Kundi Paihama, em contrapartida, simboliza o monolitismo político e a governação dos anos 70 e 80. Não tem nem dinamismo, nem ferramentas intelectuais e técnicas para enfrentar os desafios actuais.
Do ponto de vista partidário, o presidente parece ter apostado em destruir a base de apoio do seu partido (MPLA) nessa região. Primeiro, manteve-a nos últimos dois anos praticamente sem governador, desde que o estado de saúde do então titular, Faustino Muteka, se deteriorou. A seguir, nomeou-lhe um outro dinossauro político.
Ao longo da sua carreira como dirigente político-partidário, o general Kundi Paihama conquistou, por mérito próprio, a reputação de um dos mais agressivos porta-vozes do MPLA na região centro-sul. Populista nato, construiu durante a guerra uma retórica discursiva anti-savimbista e contra a UNITA, com grandes resultados belicistas.
O presidente confiou-lhe a direcção da campanha eleitoral do MPLA nas eleições de 1992. A UNITA, apesar de ter realizado uma campanha desastrosa, ganhou folgadamente na região.
Em 2012, passados dez anos de paz, Paihama afirmou-se como o único dirigente do MPLA a manter um discurso marcadamente belicista. Chegou mesmo a ameaçar massacres para os que se opusessem ao MPLA ou o presidente. “Vão ser varridos”, disse Kundi Paihama no comício que presidiu a 4 de Agosto, no Estádio da Ombaka, em Benguela.
A disponibilidade de Kundi Paihama para a violência política pode ser o seu maior trunfo nas cogitações do presidente sobre os tempos que se avizinham. De outro modo, não se compreende a aposta nesta figura sinistra.
A onda de insatisfação das populações contra o MPLA, no Huambo, é extremamente elevada. Kundi Paihama parece ser a figura certa apenas para criar um ambiente de terror, que subjugue a população local.
Mas quem é afinal Kundi Paihama?
Como governante, Kundi Paihama revelou-se um incapaz. Sistematicamente, tem mascarado a sua incompetência com uma arrogância e atitudes musculadas inqualificáveis. Desde a independência, já serviu como ministro nos seguintes pelouros: Interior, Segurança de Estado, Esfera de Inspecção e Controlo Estatal, Defesa e Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria (este último exercido até à sua nomeação para governador). Ao longo da sua carreira, serviu também como governador das províncias de Cunene, Benguela, Luanda e Huíla.
A forma como o Kundi Paihama se firmou como dirigente é prosaica. Em 1976, o presidente Agostinho Neto decidiu nomear um indivíduo da etnia kwanhama para comissário provincial (governador) do Cunene. O nome de Paihama, que trabalhava como funcionário da Repartição de Registos e Notariado do município do Tômbwa, na província de Moçâmedes (hoje Namibe), foi proposto. Segundo uma fonte conhecedora da sua trajectória, Kundi Paihama informou Agostinho Neto de que não era kwanhama. É handa, natural do Kipungo, no município de Huíla. Agostinho Neto perguntou-lhe se falava a língua dos kwanhamas, ao que respondeu afirmativamente. Assim foi nomeado e empossado, mantendo-se como dirigente desde então.
Enquanto comissário provincial, nas suas deslocações ao interior do Cunene, Kundi Paihama passou a fazer-se acompanhar de um batalhão independente conhecido como “Onças da montanha”, fundado e inicialmente liderado pelos comandantes Armando José Augusto Mateus “Mandinho” (falecido em 2007, com a patente de brigadeiro), Matias (falecido), Francisco Wapota Kalambo “Canhão” (actual sub-comissário da Polícia Nacional) e Ernesto Hanhamuke. Em 1981, quando foi nomeado para dirigir a província de Benguela, requisitou a transferência dos “Onças da montanha” para esta província, como uma força militar sob sua dependência. Adoptou a mesma estratégia aquando da sua transferência para outros postos. Nos anos 80, os “Onças da montanha” destacaram-se em várias operações militares, particularmente em Benguela, sempre como força controlada por um civil, Kundi Paihama, que a colocava ao “serviço da nação” e para outras missões.
Foi a partir dessa relação com os “Onças da montanha” que Kundi Paihama construiu uma imagem de comandante militar que na realidade nunca foi. Como soldado, serviu apenas no exército português.
O presidente ofereceu-lhe a patente de coronel das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA), em 1988, após ter frequentado um curso de oficiais, em 1987, mas sem que alguma vez tivesse servido no Exército ou em qualquer outro corpo das Forças Armadas. As promoções deste civil nas FAPLA não se ficaram por aqui. Em 1991, o presidente agraciou-o com a patente de major-general e, no ano seguinte, promoveu-o a general do Exército. Ser promovido a general do Exército – eis um grande feito para um homem que nunca prestou juramento à bandeira.
Trapalhada nos Negócios e Conflitos de Interesses
Na entrevista à Rádio LAC, em Agosto passado, Kundi Paihama falou sobre a sua riqueza. “Tudo que tenho é do meu trabalho”, disse,
“o que é preciso é não roubar, cada um deve comer de acordo com o suor de seu rosto. Desafio a procurarem o meu dinheiro no exterior, o meu dinheiro não sai de Angola.”
Em Dezembro de 2011, o sócio português de Kundi Paihama na Plurijogos, detentora dos Casinos de Angola, intentou uma acção criminal (processo n.º 439/2011-04) contra uma suposta alteração falsificada da estrutura accionista da empresa. António Ferreira, que detinha 70 por cento das acções, passou a sócio minoritário, com 20 porcento, enquanto o general, que detinha apenas 20 por cento, passou a ser favorecido com as acções falsificadas. O processo, segundo o queixoso, foi ratificado numa assembleia-geral da empresa em que esteve ausente.
No ano seguinte, 2012, Kundi Paihama apresentou uma queixa, na Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC), contra António Ferreira, por alegado desvio de US $25 milhões da Plurijogos, segundo o semanário O País. Em entrevista à revista portuguesa Lux, na altura, o advogado do general, Rui Machado, afirmou que o general teria perdido mais de US $100 milhões, por via de alegadas fraudes e outros crimes financeiros cometidos por António Ferreira. Notícias recentes dão conta da reconciliação entre os dois sócios e a sua co-liderança na exploração dos jogos do azar em Angola.
Apesar das constantes denúncias de violação da Lei da Probidade, concernente à proibição de os dirigentes exercerem cumulativamente cargos em empresas privadas, Kundi Paihama mantém-se como presidente da Assembleia-Geral do Banco Angolano de Negócios e Comércio (BANC), de que é sócio maioritário.
Essa prática tem sido promovida pelo próprio presidente da República. A 6 de Novembro passado, José Eduardo dos Santos nomeou André Luís Brandão para o cargo de secretário do presidente da República para os Assuntos de Contratação Pública. André Luís Brandão continua a exercer cumulativamente o cargo de vice-presidente do Conselho de Administração do Banco Keve.
Por outro lado, Kundi Paihama continua a ser mantido como general no activo, enquanto exerce cumulativamente uma função partidária, como membro do Bureau Político do MPLA.
O presidente, no poder há quase 35 anos, parece precisar da companhia de outros veteranos. Talvez isso o ajude a assegurar que se mantém no cargo por tempo indeterminado.
Puxa catuta!