Pax Angolana - Uma estranha celebração
Fonte: A Capital
Divulgação: Planalto De malanje Rio Capôpa
11.04.2014
Doze anos depois das armas se terem calado e com duas eleições em cima, já começa a ficar difícil falar apenas em “ganhos da paz”, como se a intenção fosse lembrar ao cidadão a cada minuto que passa, qualquer coisa de extraordinário para relativizar dificuldades ou ampliar realizações.
O que temos hoje de falar é do desempenho do Governo ao nível da execução do OGE, numa altura em a guerra efectivamente já deixou de ser argumento, como no passado acontecia, para justificar incumprimentos e outras incompetências.
Mais do que falar em dividendos da paz, às vezes fica-se com a impressão que o que se pretende é retirar dividendos políticos da paz, com a agravante de se apresentar o calar das armas, como sendo apenas a conquista de uma das forças (e do seu líder) que esteve envolvida na guerra fratricida.
Tem-se perdido assim a oportunidade de celebrar a paz na perspectiva da pacificação dos espíritos que tarda em afirmar-se definitivamente, pois a estratégia que prevalece é efectivamente a da retirada de dividendos políticos, o que não tem contribuído para termos uma Angola melhor, mais confiante no futuro e sem as angustias que ainda nos assaltam como se estivéssemos sempre a espera de um cataclismo qualquer.
A reconciliação nacional, a tolerância política e a coabitação pacífica na diferença deviam ser hoje três “ganhos da paz” já perfeitamente consolidados, porque apenas dependem de nós mesmos, sem necessidade de parceiros estrangeiros.
A realidade não nos diz isso, sendo hoje Angola um país onde ainda se questionam valores básicos ao nível dos direitos humanos.
É evidente que o fim do devastador conflito militar continua a ser um decisivo marco de viragem, uma referência política da maior importância na história de Angola, que deve ser anualmente destacada e que merecidamente tem hoje a dignidade de feriado nacional.
Falar dos “ganhos da paz” anualmente é um exercício que faria maior sentido e teria um outro impacto, mais estruturante na própria reconstrução do tecido social se fosse possível reunir todos os angolanos à volta da mesma ideia/conceito.
Por razões óbvias, este ainda não é o caso, começando pelos dois signatários da paz definitiva que não se conseguem entender neste mínimo denominador comum, doze anos depois dos seus generais terem trocado o forte abraço no Palácio dos Congressos.
Penso que com a realização das primeiras eleições de 2008, mais do que falar em “ganhos da paz”, entramos na fase da normalização constitucional e da responsabilização do governo pelas promessas feitas.
Também penso que num país tão vasto como Angola e tão destruído que foi ao nível de todas das suas infraestruturas, a paz por si só não faria milagres, se não houvessem recursos financeiros disponíveis para dar inicio a todas as obras em curso e já concluídas.
Como é evidente sem ovos não se fazem omeletes.
Com todas as infelicidades que já nos açoitaram, Angola teve grande a sorte de ter sido bafejada por uma “comoditie” chamada petróleo, graças a qual os recursos financeiros têm estado literalmente a chover e a resolver parte dos problemas causadas pela guerra.
De outra forma, sem a exploração intensiva deste generoso recurso que a todos os angolanos pertence, estaríamos hoje, certamente, aqui a fazer um outro balanço, bem menos volumoso, do ponto de vista das obras públicas já erguidas, mas não só.Angola12anosPazCapital
Como sempre tenho dito não é possível fazer balanços sérios sem números globais.
É o que nos falta saber para depois comparar, se com tais recursos já injectados na economia se podia fazer mais ou menos.
Comparar também com outras realidades fora das nossas fronteiras.
Pelas minhas estimativas não tenho qualquer dúvida em concluir que com os recursos já aplicados hoje teríamos outros ganhos muito mais expressivos do ponto de vista social do que aqueles que nos são apresentados ou que somos capazes de ver.
Não tenho muitas dúvidas em concluir que os “ganhos da paz” hoje seriam outros mais de acordo com as verdadeiras prioridades do país, se no plano democrático o nosso xadrez partidário fosse mais equilibrado, o que proporcionaria um outro espaço de negociação do próprio modelo de desenvolvimento que está a ser seguido e que quanto a mim não corresponde ao perfil que o país necessita, com permanentes investimentos públicos em projectos produtivos de duvidosa consistência.
Não tenho também qualquer dúvidas em concluir que a corrupção institucionalizada tem sido actualmente o maior “inimigo da paz” por ser o principal desviador dos recursos públicos, que a serem aplicados devidamente dariam a Angola uma outra paisagem bem mais sorridente, bem mais pacífica, para além do calar das armas.
Ouvimos falar muito da necessidade de sermos sempre mais ambiciosos.
No caso do nosso país a ambição maior de todos os angolanos até por razões estratégicas, devia ser erradicação da pobreza e das suas consequências.
Digamos que em 12 anos de paz e com os recursos que Angola possui, o país poderia estar hoje bem melhor do ponto de vista sócio-económico, sobretudo com outros níveis de pobreza bem mais aceitáveis e já com esta vergonhosa exclusão social/miséria posta fora de combate.
Reginaldo Silva