HELENA TEKA, OS FACTOS E OS CRIMES
Helena João Teka, de 38 anos, era mãe de dois filhos: Hélio Sebastião Gomes, de 7 anos, e Cátia Sebastião Gomes, de 3 anos. Numa operação relâmpago de demolição das casas no Mucula Ngola, uma zona situada entre a Cidade do Kilamba e o Zango, na Via Expresso em Luanda, ambos foram esmagados e mortos em casa.
O irmão Baptista João, de 26 anos, tentou socorrer os sobrinhos. Era comando das Forças Armadas Angolanas e servia em Cafunfo. A polícia atingiu-o com um tiro na coluna. Morreu no Hospital Josina Machel.
Outro irmão, José Samuel (24 anos na altura), agente da Polícia Nacional, encontrava-se em casa também, de visita. Levou um tiro na perna esquerda ao tentar escapar, e sobreviveu.
O primo, que vivia na casa ao lado, foi torturado de forma bárbara. Morreu na Comarca Central de Luanda.
Depois de enterrar os filhos pequenos, Helena João Teka regressou ao terreno.
Militares que cuidavam do terreno violaram-na, e depois expulsaram-na de lá definitivamente.
Estes são os factos. Não é uma história. Não é um romance dramático.
São quatro assassinatos: Hélio, Cátia, Baptista e o primo.
Há uma agressão com arma de fogo: José Samuel.
Há violação continuada: Helena Teka.
Aparentemente, tudo isto ocorre pela cobiça de um terreno, história que já foi contada por Rafael Marques de Morais de forma clara e incisiva.
Vamos concentrar-nos nos crimes sangrentos e repugnantes.
O homicídio é um dos crimes mais graves do Código Penal, e obriga a investigação por parte das autoridades. Face a estes factos, coloca-se a questão:
A procuradoria-geral da República abriu algum inquérito? Existe alguma investigação para apurar a responsabilidade das mortes? Na Polícia? No Exército?
Podem pessoas ser assassinadas, menores, homens e mulheres, e nada acontecer?
Não.
O direito à vida, o direito à propriedade têm, naturalmente, consagração constitucional e eficácia directa. Por isso, não há general, ministro ou embaixador que os possam violar ou desrespeitar.
Para Helena Teka, a justiça começa pela investigação e acusação relativamente àqueles que mataram os seus filhos e familiares. Essa investigação não depende de Helena Teka. Depende do Ministério Público. A mera publicação dos artigos de Rafael Marques de Morais deveria ter aberto a investigação da Procuradoria. Estamos perante crimes da mais elevada gravidade, e a denúncia pública serve como notícia do crime para obrigar as autoridades a iniciar uma investigação criminal. Não é uma questão de vontade, é uma questão de obrigatoriedade legal. Imperativo jurídico.
A acção penal compete ao Ministério Público (artigo 5.º do Código do Processo Penal) e é pública (artigo 1.º do DL n.º 35 007, de 13 de Outubro de 1945). Sendo que o artigo 6.º do mesmo Decreto determina que o Ministério Público exerce a acção penal oficiosamente como regra geral, ou mediante denúncia nos termos da lei.
Depois de realizada essa investigação, deve ser concedida a Helena Teka, por parte do Estado, uma indemnização, pois foram os seus órgãos e os seus agentes que terão levado a cabo estes morticínios.
Portanto, uma investigação às mortes que resultaram da cobiça do terreno de Helena Teka impõe-se obrigatoriamente por lei. Se não existe já, tem de começar imediatamente.
Atendendo à magnitude e crueldade do caso – quatro assassinatos para tomar conta de uma terra – uma outra medida impõe-se. Angola quer pertencer ao Comité de Direitos Humanos da ONU, a cujo Tratado constitutivo aderiu em 10 de Janeiro de 1992. Pois deve ser a esse Comité que também Helena Teka se deve dirigir para apresentar a sua queixa pela violação alargada e reiterada dos seus direitos humanos. Essa queixa pode ser feita individualmente, não necessita de advogado e coloca o Estado angolano perante as suas responsabilidades na comunidade internacional.
Muitos gostam de apregoar nos jornais, nas televisões e por todo o lado que Angola é um país democrático e um Estado de Direito. É a resolução justa e conforme à lei de casos concretos como o de Helena Teka que poderá validar essas afirmações, e não a conversa fiada debitada, como se de um comunicado majestático se tratasse, por oficiais do regime com ar modernaço e cabeça quadrada.