A CORRIDA AOS BENS DO ESTADO: SAQUEAR ATÉ AO FIM
Nos últimos tempos, o ritmo a que José Eduardo dos Santos distribui os activos do Estado pelos seus filhos e testas-de-ferro acelerou brutalmente.
O ainda presidente tem transferido todos os contratos públicos que consegue para o nome dos “seus”, enriquecendo e empoderando filhos e associados.
Com a entrega das obras de construção do Pólo Industrial de Fútila, em Cabinda, à empresa Benfin, SA, cujo accionista de referência é José Filomeno dos Santos (Zenú), o presidente coloca o controlo económico estratégico desta província nas mãos do seu filho e dos amigos deste. Essa medida surge na sequência de duas outras através das quais o presidente entregou a construção e a concessão do porto de águas profundas de Caio e de parte do sector de electricidade em Cabinda ao seu filho e amigos.
Senão vejamos.
Em Julho passado, a ministra da Indústria, Bernarda Martins, foi a Cabinda “para testemunhar o arranque destas obras adjudicadas à empresa Benfin, SA”, através do despacho presidencial n.º 70/15.
O referido decreto extinguiu o Gabinete Técnico de Implementação do Pólo Industrial de Fútila, por falta de dinheiro público. Por ajuste directo – para o qual não se vislumbra fundamento legal, podendo por isso ferir de nulidade todas estas aventuras de última hora – o presidente mandatou a ministra da Indústria para negociar um acordo de parceria entre o Estado e a empresa angolana Benfin SA. Dos Santos exaltou a “reconhecida capacidade técnica e financeira” da Benfin SA, uma empresa de construção desconhecida e sem quaisquer provas dadas no mercado. A essa empresa, por ordem presidencial, cabe “concluir e explorar a obra de construção do Pólo de Desenvolvimento Industrial do Fútila, incluindo o modelo de negócio e de gestão sem recurso ao financiamento público”.
O mesmo decreto mandatou ainda os Ministérios da Indústria e dos Petróleos para estabelecerem acordos com as empresas do ramo petrolífero com vista à sua transferência da Base Petrolífera do Malongo para o Fútila. Pela mesma via, a Sonangol e a Cabinda Gulf Oil Company (Chevron) foram instadas a cumprir com o referido decreto.
Assim, pela mão de José Eduardo dos Santos, estabeleceu-se a sustentação do negócio atribuído ao filho. Como bom pai, Dos Santos entrega a José Filomeno um grande negócio com a receita lucrativa imediatamente disponível.
A Benfin SA foi constituída a 21 de Dezembro de 2007, tendo como accionistas fundadores José Filomeno de Sousa dos Santos, Jean-Claude Bastos de Morais, Júlia Germana Bastos (prima de Jean-Claude Bastos de Morais), Gilberto de Jesus Cabral Pires e Mirco de Jesus Martins (enteado do vice-presidente Manuel Vicente). O mesmo grupo de sócios também detém a propriedade da Benguela Development S.A, uma das beneficiárias do Fundo Soberano de Angola (FSDEA), presidido por José Filomeno dos Santos, e outras sociedades em conjunto.
O principal argumento para a adjudicação do Pólo foi a incapacidade financeira do Estado para desenvolver o projecto, iniciado em 2010. Ao todo, os orçamentos gerais do Estado de 2013 e 2014 dedicaram um total de 44.7 milhões de dólares à construção do Pólo Industrial do Fútila. Actualmente, o governo afirma que, do conjunto total das obras de construção, já foram executados:
– 35 por cento da rede de abastecimento da água;
– 20 por cento da rede de instalação eléctrica, iluminação pública e informática;
– dois dos edifícios: um dos serviços administrativos, outro dos bombeiros.
– 35 por cento da rede de abastecimento da água;
– 20 por cento da rede de instalação eléctrica, iluminação pública e informática;
– dois dos edifícios: um dos serviços administrativos, outro dos bombeiros.
Contudo, no local de construção não há sinais de onde se terá gastado sequer uma ínfima parte desse dinheiro. Há dois esqueletos de pequenos edifícios (rés-do-chão e primeiro andar) e um tanque de água em construção tomado pelo capim. O estaleiro está abandonado e com bastante capim à volta, e só há uma guarnição militar. Onde foram parar os 44.7 milhões?
No mesmo ano, a 19 de Dezembro de 2015, o presidente exarou o decreto n.º 230-A/15, através do qual emitiu uma Garantia do Estado no valor de 751 milhões de dólares a favor da empresa Caioporto SA, liderada por Jean-Claude Bastos de Morais, o principal sócio e testa-de-ferro do seu filho Zenú. Tal era a urgência do projecto, conforme argumentou o presidente, que entregou a sua construção e concessão, por 60 anos, a uma empresa que só existia no papel.
Inicialmente, a Caioporto SA comprometia-se a obter financiamento privado para o projecto, mas em 2016 ficou claro que não tinha tal capacidade e que o objectivo real era praticamente “oferecer” uma obra de centenas de milhões de dólares aos esquemas da dupla Zenú/Jean-Claude. José Eduardo dos Santos exarou então outro decreto presidencial n.º 238/16 assumindo que o Estado é o financiador do Porto do Caio através de uma linha de crédito concedida pela China. A Caioporto tinha ainda a obrigação de contribuir com um financiamento de 15 por cento do valor total da obra, inflacionado para 831 milhões de dólares, 290 milhões de dólares a mais do que o valor que havia sido estipulado para a construção do Porto. José Filomeno dos Santos pagou a parte da Caioporto, com recurso ao Fundo Soberano, de que é presidente. E pagou 56 milhões de dólares a mais do que os 15 por cento requeridos pela Caioporto S.A.
Como é que o Estado faliu para uma obra modesta como a do Pólo de Fútila, mas encontrou mais de 800 milhões para entregar de bandeja a concessão do porto do Caio à dupla Jean-Claude/Zenú?
Por sua vez, o mesmo Jean-Claude, que lidera essas “engenharias”, já demonstrou depender quase exclusivamente dos cofres do Fundo Soberano de Angola para as suas iniciativas empresariais. A Benfin SA é uma empresa obscura, como são as outras do universo da dupla Zenú/Jean-Claude. Tanto é que quem aparece como representante quer da Caioporto SA quer da Benfin SA, em Cabinda, é o tio de Jean-Claude Bastos de Morais, Manuel Nunes Barata. Nem conseguem disfarçar a promiscuidade (ou será que nem precisam do fazer?).
A Electricidade
No princípio do ano, através do decreto presidencial n.º 25/17, José Eduardo dos Santos atribuiu à Vavita Power SA a concessão para a construção e operação da Central Termoeléctrica de Malembo, que deverá custar mais de 200 milhões de dólares. Essa empresa-fantasma está alojada – assim como a Caioporto S.A – na sede do Banco Kwanza Invest e tem, entre os seus testas-de-ferro, a mulher, o tio e a prima de Jean-Claude Bastos de Morais, respectivamente, Manuela Ganga, Manuel Nunes Barata e Júlia Germana Bastos.
O Banco Kwanza Invest foi fundado pela dupla Zenú/Jean-Claude e tem servido como “canal de escoamento” de dinheiro do Fundo Soberano de Angola. Manuela Ganga serve também como directora-geral da empresa Uniqua Consulting Gmbh, que é consultora do FSDEA, e do projecto social Fábrica de Sabão, idealizado por Jean-Claude Bastos de Morais e financiado pelo FSDEA.
O Fundo Soberano de Angola é pouco mais do que um cofre privado da dupla Zenú/Jean-Claude, e a população angolano sabe disso. Senão vejamos a recente sondagem efectuada pela empresa brasileira Sensus, Pesquisa e Consultoria:
A Dupla e João Lourenço
Apesar da mudança de presidente, as operações de saque ao património público por parte do grupo de accionistas da Benfin SA parecem estar salvaguardadas. Os seus interesses, enquanto accionistas da Calfisa SA, cruzam-se com os da família Lourenço, escolhida para a sucessão na presidência.
José Filomeno dos Santos e Jean-Claude Bastos de Morais estão envolvidos no negócio de prospecção e exploração de ouro na Huíla. Fazem-no através do consórcio Sociedade de Metais Preciosos de Angola (SOMEPA), em parceria com o Estado (Ferrangol) e o casal Lourenço, que é representado por uma sobrinha, Inockeclina Bens África Correia dos Santos, através da empresa Ralo. Dessa sociedade também faz parte o secretário de Estado do Interior, Eugénio César Laborinho. Na mesma empreitada, através da empresa Kilate, também estão o conhecido general dos generais e deputado do MPLA, António dos Santos França “Ndalu”, e o governador do Kuando-Kubango, Pedro Mutindi.
Essa teia de interesses político-mercantilistas, definitivamente compromete João Lourenço com o Estado corrupto que é Angola.