Hollywood Mendes de Carvalho tem 17 anos. Aquilo que lhe aconteceu, no passado dia 7 de Dezembro, parece tirado de um filme. Mas não é.
Eram perto das duas da madrugada quando o rapaz foi atacado na sua residência, na Comuna do Catete, município do Icolo e Bengo. Os assaltantes ataram-lhe as mãos aos pés com braçadeiras e cabos de electricidade. Ele sentiu três picadas nas costas, de três injecções que lhe administraram. A toalha de banho, que trazia ao ombro enquanto saía da casa de banho anexa à residência, serviu para o amordaçar, impedindo-o de gritar. Como se fosse um embrulho, os assaltantes largaram-no no quintal entre a cozinha, o restaurante e a residência.
A missão dos assaltantes não era roubar a modesta propriedade do general Manuel Paulo Mendes de Carvalho “Pakas” – um crítico acérrimo do presidente José Eduardo dos Santos e das iniquidades do MPLA, de que é militante, e pai de Hollywood. O general afirma sem rodeios que se tratou de um atentado contra si e contra a sua família, um “aviso”.
Hollywood conta que, ao sair da casa de banho, se apercebeu de movimentos estranhos e de que só havia uma pequena lâmpada acesa no quintal, contrariamente à iluminação habitual. “Fui ver o quadro de electricidade e um deles agarrou-me. Ao resistir, [o assaltante] chamou o que tinha a AK e a mochila às costas pelo nome de Vítor. Foi este que tirou as braçadeiras e o cabo de electricidade da mochila para me amarrarem”, explica o adolescente.
O general acusa frontalmente o regime que durante décadas serviu com zelo. “Calhou o miúdo aparecer [no quintal] naquela hora. Comigo teria sido pior. Eu servi esse regime, conheço muito bem o seu modus operandi.”
Os três assaltantes, um dos quais armado com uma AK-47, deixaram balas não usadas pelo chão, uma seringa suja, que se presume tenha sido usada para dar as injecções ao filho do general, e as agulhas.
Demonstrando enorme à-vontade e descontracção, os assaltantes serviram-se de três finos (cerveja de pressão) e deixaram os copos cheios no balcão. Atiraram para o chão os dois televisores e o micro-ondas que se encontravam no restaurante.
Hollywood Teixeira Mendes de Carvalho permaneceu cerca de três horas no estado em que os assaltantes o deixaram, até que foi encontrado pela mãe, que acordou cedo.
A polícia foi chamada ao local para investigar a ocorrência e fez a recolha de provas. Mas lá deixou os copos de fino, que os assaltantes abandonaram cheios de bebida.
Este ataque intimidatório tem ressonância com as operações conjuntas do Serviço de Inteligência e Segurança de Estado (SINSE) e da Polícia Nacional para reprimir os manifestantes no Largo da Independência, uma vez que em ambos os casos se recorreu à sinistra administração de injecções.
A seringa usada para administrar as injecções ao Hollywood.
Um especialista em segurança refere ao Maka Angola que “hoje existem várias drogas venenosas difíceis de detectar e que podem causar diversas reacções, a curto, médio e longo prazos”. E aconselha que o adolescente seja submetido a análises médicas rigorosas, para identificar o tipo de substâncias que lhe foram inoculadas.
Vários familiares do general acorreram ao local, incluindo o seu irmão, o almirante André Gaspar Mendes de Carvalho, actual chefe de bancada parlamentar da CASA-CE. André e Manuel Paulo são filhos de Mendes de Carvalho, o nacionalista e dirigente histórico do MPLA. Ambos optaram por manifestar publicamente a sua oposição a José Eduardo dos Santos, cuja ascensão ao poder em muito se deveu à proposta do malogrado Mendes de Carvalho.
“Está no ADN da família ficarmos sempre do lado dos mais fracos e contra as injustiças sociais”, afirma com orgulho o general.
Manifestando-se contra a intolerância política perante os que pensam diferente, o general rebusca práticas do passado que considera terem-se tornado crónicas nos dias de hoje. “Vivemos num país com grande discriminação étnica, racial e social. Nunca pactuei com os crimes do poder. Por me opor aos focos de tribalismo e racismo do MPLA, fui ameaçado de morte, pela primeira vez, em 1975, por um dirigente”, conta.
Durante a manhã do dia seguinte, vários cidadãos de todos os estratos passam pelo restaurante para inquirir sobre o estado de saúde de Hollywood. O restaurante é um dos pontos de referência da comunidade local. No mesmo local, comensais da JMPLA e do MPLA sentam-se em grupos, com os seus bonés identificativos, e forram o estômago com sopa ou com pica-pau e pão.
“Tenho sofrido várias ameaças. Já fui censurado publicamente pelo MPLA, por criticar uma série de atrocidades. Mas esta é a primeira vez que invadem o meu espaço e agem desta forma. Nunca contratei um guarda para me proteger”, refere o pai da vítima.
“Apesar de eu ser general, a minha segurança é Deus”, desabafa, manifestando-se tranquilo com a sua consciência.
Perseguição política
A bala de “aviso”, deixada em casa do general Pakas.
A perseguição de que Manuel Paulo Mendes de Carvalho “Pakas” diz ser alvo tem ainda outras manifestações.
Desde há um ano e meio, o general é obrigado a comparecer quinzenalmente no Tribunal Supremo, que o constituiu arguido e o colocou sob termo de identidade e residência.
O caso remonta a 2008, quando Adão Francisco “Kupopa” — um dos dirigentes do MPLA no Icolo e Bengo e oficial do (SINSE) — apresentou queixa contra o general, a quem acusou de o injuriar com palavrões durante uma assembleia do MPLA, na administração municipal do Icolo e Bengo.
Inicialmente, o general foi chamado ao Tribunal Provincial do Bengo, para “tratar de assuntos do seu interesse”. Quando lá chegou, tomou conhecimento in situ de que seria julgado naquele mesmo instante, sem nunca ter sido notificado ou formalmente acusado. “Eu nem sequer me fiz acompanhar de advogado, porque não sabia. Expliquei que o Tribunal Provincial não tinha competência para me julgar, na qualidade de general. Depois de alguma confusão, pediram-me desculpas e mandaram-me embora.”
A 25 de Junho de 2015, oito anos depois, a primeira secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo decidiu em Acórdão (Despacho de Pronúncia nº 234) rejeitar a acusação pelo crime de injúria que pendia contra o general, porque as testemunhas negaram que este tivesse mandado o dirigente do MPLA para os seus órgãos genitais.
Todavia, o general foi confrontado com outra denúncia. À noite, depois da referida assembleia do MPLA, o referido queixoso afirmou ter feito sinal de luzes na via pública, para que o general estacionasse a sua viatura e pudessem reconciliar-se na rua. Segundo a acusação, o general terá parado a viatura, ameaçando exaltadamente bater no colega do MPLA com correntes e mandando-o novamente para os seus órgãos genitais. A única testemunha da alegada ocorrência era o sobrinho do queixoso, Jordão Filipe Amado, actual administrador adjunto comunal de Cassoneca. O general negou ter proferido tais ameaças, mas o Tribunal Supremo, através dos juízes conselheiros Simão de Sousa Víctor, Joel Leonardo e José Martinho Nunes, acusou-o ainda assim.
O Maka Angola obteve cópia da queixa original redigida por Francisco Adão, a 14 de Junho de 2008, endereçada à PGR local e com cópias para o MPLA. Nada consta sobre essas ameaças. O dirigente e oficial do SINSE refere-se apenas às ofensas de que diz ter sido alvo na administração municipal, entretanto desmentidas pelas testemunhas que arrolou.
Este portal também obteve cópia do despacho da direcção do MPLA no Icolo e Bengo, que instruía o chefe da Comissão de Disciplina e Auditoria do MPLA, “camarada Bab Loy”, a reunir os dois membros para apurar o caso, que suspeitava ser uma “brincadeira”, e solicitava uma comunicação urgente caso se confirmasse a ideia.
Segundo o analista jurídico do Maka Angola, Rui Verde, “a ameaça tem de ser séria. Tem de ser verosímil. Não basta o mero insulto ou dizer palavras. Ora, a decisão do tribunal omite esse requisito, e basta isso para que a pronúncia seja nula”.
“Os factos descritos no processo nunca deveriam ter originado uma pronúncia por crime de ameaça, dada a sua fragilidade e irrelevância. Mesmo assim, actualmente encontram-se totalmente amnistiados face à recente Lei da Amnistia, pelo que o Tribunal Supremo só tem de extinguir automaticamente o processo”, reforça Rui Verde.
Uma pedra no sapato do MPLA
O general “Pakas”, veterano do MPLA e do exército, tem assumido uma posição consistentemente crítica do regime, causando mal-estar no partido. A sua voz tem-se feito ouvir através de uma página bastante concorrida no Facebook: “Os conselhos do general”.
Em Agosto passado, por ocasião do aniversário do presidente, o general Pakas endereçou-lhe um apelo público em “A sucessão presidencial e arredores – camarada presidente, está na hora!”.
No texto, instava-o a não concorrer às eleições de 2017 e alertava para os perigos de uma transição opaca: “Se a sucessão do Presidente José Eduardo dos Santos não for bem gerida, com lisura e transparência, a história vai-se repetir, com consequências desastrosas para todos. Tudo devemos fazer para se evitar outras roturas no seio do partido.”
Bastante divulgado nas redes sociais e assinado por um general do MPLA, o texto causou grande mal-estar entre os fanáticos, principais beneficiários, oportunistas e bajuladores do regime. Afinal, o general tinha razão.