OGE 2016: O Orçamento da Repressão
Desenganem-se os que pensam que o Orçamento Geral de Estado é um documento técnico feito por uns sábios economistas, que reflecte necessidades técnicas. Não é.
Um Orçamento Geral de Estado é um documento político que traduz em números as opções políticas do poder executivo. É, aliás, o documento político mais importante em cada ano.
Nessa medida, o que traduz politicamente o OGE de Angola para 2016? Uma simples palavra: repressão.
A opção política do OGE de 2016 é simples e está vertida nos respectivos números. A política do OGE de 2016 é a política da repressão. Só isso explica que a fatia dedicada à defesa, segurança e ordem aumente 8,9%, enquanto a parte respeitante a despesas sociais diminui cerca de 2%. A verdade é que, quando o povo sofre uma intensa crise económica, o Governo não se preocupa com os apoios sociais: preocupa-se com a repressão. Apenas assim é possível justificar que os ministérios com a maior dotação orçamental sejam a Defesa e o Interior, com 500 mil milhões de Kz e 366 mil Kz, respectivamente, e só depois surja a Saúde. E, mesmo depois de a princesa-filha Isabel dos Santos dar a sua entrevista à BBC e dizer que o principal desafio com que se depara Angola é a educação, o orçamento da Educação desce em termos relativos, na distribuição de recursos pelos vários sectores, subindo apenas 1% em relação ao ano transacto. Em resumo, não há qualquer investimento real na educação.
Simultaneamente, as despesas com a Justiça também sofrem um decréscimo, nesse caso através de um corte efectivo. Não há democracia se a justiça não funcionar. Não há liberdade se a justiça não funcionar.
Olhando para os números, vê-se claramente o que pensa o Governo: o principal objectivo é manter o poder à força, o povo é irrelevante e a justiça deve ser acantonada e depauperada, para não ter qualquer veleidade. É impressionante o modo como uns números aparentemente inócuos traduzem, na verdade, uma política assente na repressão.
E, no entanto, até mesmo estas dotações são enganadoras. Veja-se o caso da Defesa: um soldado das FAA ganha 22 000 Kz, menos de 100 dólares ao câmbio actual. Como é que tal é compaginável com o imenso orçamento da Defesa? Alguma explicação terá de existir para que os soldados ganhem menos do que os seguranças privados que guardam os bancos e do que as empregadas domésticas dos altos oficiais do exército. Ora, a estabilidade que um generoso orçamento para a Defesa sugere é enganadora. Este pagamento miserável aos soldados, que os coloca quase ao nível de escravos, não assegura qualquer modernização ou avanço das Forças Armadas.
E tem de colocar-se a seguinte questão: o governo, que tem medo de tudo, não tem medo de que estes soldados, sem logística adequada ou equipamento, sejam um foco de rebelião? É que a divisão nas FAA acentua-se numa perspectiva classista: os generais têm tudo; os soldados não têm nada.
A redução orçamental na Justiça coloca grandes perplexidades. Este decréscimo revela o quê sobre os magistrados? Ultimamente, o ministro da Justiça, Rui Mangueira, tem desempenhado o papel de ministro das Relações Exteriores, defendendo, nas suas viagens ao exterior, a política torcionária do regime, ao invés de zelar pelo interesse da Justiça. Os magistrados parecem contentar-se com privilégios pessoais, como automóveis e casas, remetendo-se a um silêncio tumular acerca das condições de trabalho a que estão sujeitos. Será por isso que se escolhem juízes com fraca preparação técnica, quando há muitos e competentes juízes em Angola, que, no entanto, preferem manter-se à parte? O posto de magistrado depende mais da lealdade ao regime do que da competência? É evidente que a diminuição das condições financeiras para o exercício da Justiça tem duas consequências óbvias: só os piores vão escolher esta área, rapidamente perdendo qualquer independência, porque esta começa sempre nas condições financeiras.
Em termos técnicos, há outras questões levantadas por este orçamento: a sua formulação e execução continuam a ser muito opacas, e o peso das verbas atribuídas às diferentes entidades e os subsídios previstos fazem adivinhar que prosseguirão, mais ou menos descaradamente, os fenómenos de tunneling, i.e., de fazer sair dinheiro do sector público para o privado.
Ao nível das receitas previstas, há uma projecção de aumento das receitas fiscais não petrolíferas na ordem dos 28,2%. Este número é fantasioso. É verdade que a Administração Geral Tributária tem um presidente considerado muito competente e que adoptou um modelo de organização inovador, dotando-se de poderes mais flexíveis do que por exemplo, a sua congénere portuguesa. Mas daí a aumentar as receitas fiscais em quase 30% vai um longo caminho. Aliás, nem se compreende como é que, numa situação de abrandamento económico, os rendimentos provenientes de impostos aumentam. Portanto, ao nível das receitas, o orçamento não é credível. Mais uma vez, tudo dependerá do comportamento do preço do petróleo. Se este subir, poderemos assistir a uma execução orçamental tranquila; contudo, se este se mantiver ao nível presente, será o caos. Não haverá dinheiro, na realidade.
Em suma, estamos perante um orçamento politicamente repressivo e economicamente fictício.
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