Na Angola do pai, os filhos de dos Santos vivem um conto de crianças *
José Eduardo dos Santos é, quanto a filhos, um Presidente africano característico. Tem muitos, mas apenas dois ou três têm lugar no respectivo panteão: Isabel, José Filomeno (Zénu), Tchizé e José Eduardo Paulino. Os outros, cujo número se desconhece exactamente, vão sendo beneficiados de modo mais discreto.
Por Leston Bandeira | AM
30/01/2016
Isto quer dizer que José Eduardo dos Santos entende que o país que governa lhe pertence e que o pode distribuir pela família e por alguns amigos. Assim como Robert Mugabe, do Zimbabwé, os presidentes do Gabão, do Ghana, da Guiné Equatorial, da Costa do Marfim, da Libéria, do Quénia etc.
Há outro tipo de semelhança com o presidente da República da África do Sul, Jacob Zuma. É a herança política de cada um. Zuma está a atirar o seu país, em tempos a grande potência do continente, para uma normalidade africana: o desemprego como segunda regra de vida – já que a primeira é a corrupção.
É verdade que, quando José Eduardo dos Santos chegou à Presidência da República Popular de Angola, já a sua economia estava pelas ruas da amargura: o sistema comercial tinha sido aniquilado, com a brilhante ideia da nacionalização de todo o comércio, mesmo o pequeno, a agricultura foi abandonada e a pecuária igualmente.
Mesmo a exploração mineira deixou de existir, com a excepção da diamantífera. Angola, já em 1979, estava virada apenas para o petróleo. Agostinho Neto tinha nomeado como ministro dos petróleos o Comandante Monty, o seu cunhado, marido de uma das suas irmãs, com Hermínio Escórcio por perto. Monty, entretanto, saiu de Angola para Itália.
Eduardo dos Santos não mudou de política. Apenas escolheu os seus homens, a quem nunca dava total confiança, já que os substitui amiúde e o dinheiro proveniente da exploração do outro negro começou a levar descaminho do Orçamento de Estado. Tal como fez e faz o presidente da Guiné Equatorial, que, por sinal, conseguiu ser admitido na CPLP sob pressão de Angola e Brasil.
Com as opções de dos Santos, Angola foi vendo crescer uma elite endinheirada, composta pelos militares provenientes da guerrilha e, em simultâneo, sobretudo depois que o sistema de partido único foi anulado, foram aparecendo bolsas de autêntica miséria, nomeadamente nos musseques de Luanda. A falta de apoio ao interior teve os mesmos resultados. O povo angolano voltou a morrer com tuberculose, as escolas foram destruídas pela guerra e jamais reconstruídas, o sistema de saúde ganhou duas dimensões: as clínicas privadas, com bons médicos e bem apetrechadas para os ricos e os hospitais públicos, sem condições sequer de higiene, para os pobres.
Tal como no Zimbabwé, onde Mugabe transformou em cemitério o celeiro de África, o Zimbabwé rodesiano, em Angola as fazendas foram aproveitadas para servir o lazer dos generais e seus amigos e amigas. De gado pouco se fala e a agricultura, nem mesmo a subsistência, resiste à indiferença dos ricos do petróleo. Tal como a África do Sul e o Zimbabwé, Angola levará muitos anos a atingir o desenvolvimento económico equilibrado de 1973.
O medo de José Eduardo dos Santos hoje pressente-se quando se sabe que resolve entregar à sua filha mais velha, Isabel, a bilionária africana, a reestruturação da Sonangol, a maior empresa pública do país.
A primogénita é a responsável pela Comissão de Reajustamento da Organização do Sector dos Petróleos, entidade que tem fundos que ascendem a 15 mil milhões de dólares. E não só: Isabel dos Santos também é responsável pelo Plano Director Geral Metropolitano de Luanda (PDGM) com o objectivo de alterar urbanisticamente a capital.
O que Isabel pretende da Sonangol, segundo um texto da “Maka Angola” é retirar ao Ministério dos Petróleos a competência de controlar os fundos gerados pelo petróleo. Um fundo especial dos petróleos passará a ser gerido por Isabel dos Santos, donde a “dona disto tudo” retirará 40 por cento.
Com esta operação, Isabel dos Santos passará a ter acesso ao controlo efectivo da gestão do Estado, cujo Orçamento é estimado em 40 mil milhões de dólares, mas com uma cobertura estimada em 21 mil milhões.
Para chegar a este controlo, Isabael terá que criar uma nova empresa, que juntará às 30 que já possui. A engenheira está a ser assessorada pela firma de advogados portugueses Vieira de Almeida e Associados e pela Boston Consulting Group.
Há figuras do regime assustadas com este plano e já terão pedido ao presidente para voltar atrás com ele, mas fontes ligadas a este processo garantem que é irreversível.
Entretanto, outro filho do presidente, “Zenú”, tem à sua disposição as receitas de 100 mil barris diários de petróleo, no Fundo Soberando de Angola, de que é presidente. Outros dois filhos do presidente, Tchizé e Zé Eduardo Paulino, são, entretanto, notícia como principais accionistas do BNI – Europa (com escritórios em Lisboa para apoio a negócios, sem balcão aberto e presidido por um antigo consultor da Ernst and Young).
Ao acabar de contar esta estória a um neto, de olhos abertos e ainda meninos mas já espantados, ele haveria de perguntar: mas para que lutou tanto esse povo lá longe? Para que ele dormisse descansado, teria que lhe responder: para que os “dos Santos” fossem ricos, muito ricos.
A Independência de Angola começa a assemelhar-se a uma estória sem qualquer consistência, daquelas que se contam às crianças para dormirem, introduzindo ao enredo os episódios mais incríveis, alguns mesmo rocambolescos. No dia seguinte ninguém se lembra.
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