Isabel dos Santos: a Treinadora de Eusébio
Em texto anterior, abordou-se com perplexidade e surpresa a questão da apropriação de terras por parte do governador do Kwanza-Sul, general Eusébio de Brito Teixeira, face ao descarado incumprimento das mais elementares normas de direito do procedimento administrativo.
Pois bem, como diz a canção, “afinal havia outra”. E essa “outra” dará toda a cobertura ao general Eusébio de Brito Teixeira.
A 26 de Janeiro de 2015, o governador-general compôs um outro despacho de concessão de direito de superfície, referente a um processo de 2009. Neste caso, tratava-se de uma concessão de direito de superfície de um terreno rural com 7632 hectares, para fins de construção. Este terreno foi cedido à empresa Soklinker, Parceiros Comerciais, Lda, que é nominalmente detida em 75 por cento por Sindika Dokolo, marido da primeira-filha Isabel dos Santos, a bilionária dos ovos. Os restantes 25 por cento pertencem a um testa-de-ferro, Luís Carlos Amorim da Luz Tavira, que responde pela gerência da empresa e cuja irmã, Catarina Tavira, é madrinha de casamento de Isabel dos Santos.
Como o próprio Sindika Dokolo assume no portal da sua família, é ele o dono da Soklinker. Na realidade, segundo apurou Maka Angola, a própria Isabel dos Santos envolveu-se pessoalmente na obtenção dos terrenos e consequente processo de legalização.
São evidentes, para qualquer pessoa que conheça minimamente a lei, duas irregularidades nesta história.
Em primeiro lugar, resulta da Lei das Terras, Lei n.º 9/04 de 9 de Novembro, em especial do seu artigo 68.º, n.º 1, a), que aos Governos Provinciais apenas compete “Autorizar a transmissão ou constituição de direitos fundiários sobre terrenos rurais, agrários ou florestais, de área igual ou inferior a 1000 hectares. O mesmo prescreve o artigo 11.º, n.º 2, d) do DecretoLei que estabelece o quadro das atribuições, competências e regime jurídico de organização e funcionamento dos Governos Provinciais, das administrações municipais e comunais (DecretoLei n.º 2/07 de 3 de Janeiro). Em áreas compreendidas entre os 1000 e 10 000 hectares, a competência é da entidade que superintenda o cadastro, mediante parecer vinculativo da entidade que tutela a respetiva área (artigo 67.º da Lei das Terras). Ou há neste caso algum procedimento prévio que se desconhece, ou existiu uma clara usurpação desses poderes atribuídos expressamente por lei.
O mais curioso é que o Despacho do Governador invoca a norma que viola… dizendo que está a cumpri-la!
A segunda irregularidade é a do conceito “terreno rural para construção”. Este conceito não existe, a não ser que se refiram aos túneis construídos pelas formigas.
Um terreno rural está definido pela Lei da seguinte forma: “Os terrenos rurais são classificados em função dos fins a que se destinam e do regime jurídico a que estão sujeitos, em terrenos rurais comunitários, terrenos agrários, terrenos florestais, terrenos de instalação e terrenos viários” (artigo 22.º da Lei das Terras). Não se vê em lado nenhum o “terreno rural para construção”.
Obviamente, pode vir a alegar-se que um terreno rural se pode transformar em terreno urbano para construção. Sim, é verdade, mas tal procedimento não é automático e não é certo.
Evidente neste caso é que se está perante uma forma de apropriação de terrenos que não respeita as exigidas por lei, e que além disso os desvaloriza.
Há sempre um prejuízo para o Estado. Um terreno rural vale muito menos do que um terreno urbano. O Estado, ao vender um terreno rural por um preço rural, sabendo que mais tarde este vai ser transformado em terreno urbano, está a ser vítima de fraude. O terreno deveria ser já vendido pelo preço correspondente ao seu valor potencial, e não de acordo com uma qualquer ficção.
Voltamos, assim, a um princípio básico que tem sido constantemente referido nestes textos: se o poder legislativo aprova uma lei, esta não constitui uma mera recomendação. É um imperativo que tem de ser cumprido. Todavia, em Angola, a família presidencial e os dirigentes favorecidos por esta, como o bom do Eusébio, estão acima da lei. E enquanto esta realidade não for alterada, a legislação angolana continuará a ser apenas um borrão nas mãos de quem governa.
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