PLANO MACROECONÓMICO OU FEITIÇARIA CAMBIAL?
Todos sabemos que um dos problemas estruturais com que se debate a economia angolana é o da artificialidade e falta de confiança na sua moeda.
Na presente situação, o kwanza está oficialmente indexado ao dólar. Quer isto dizer que o kwanza reflecte o comportamento da economia norte-americana, e não as necessidades de Angola. A indexação ao dólar terá, talvez, um efeito positivo, que é o de evitar demasiadas tensões inflacionistas e uma excessiva desconfiança na política monetária de um país. Pode-se, pois, afirmar que, se esta indexação não tivesse existido, a inflação seria muito pior, quiçá aproximando-se dos níveis catastróficos do Zimbabué ou da Venezuela. Contudo, em tudo o resto acaba por ter consequências negativas para a generalidade da economia e das pessoas.
Como se viu em muitas experiências históricas anteriores, a circunstância de ligar uma moeda nacional de forma rígida ao dólar acaba por criar distorções inultrapassáveis na economia. Por exemplo, na Argentina dos anos 1990, uma reforma levada a cabo por Domingo Cavallo criou uma paridade de 1:1 entre o peso e o dólar. Controlou a inflação, mas em última análise lançou o país num caos que demorou décadas a sanar.
O caso angolano é paradigmático das mesmas distorções, nomeadamente por meio da força de um amplo mercado paralelo, de que os principais dirigentes do regime beneficiam. Na realidade, a grande consequência da indexação do kwanza ao dólar foi a criação e expansão desmesurada do mercado paralelo cambial (conhecido como o câmbio das kínguilas), onde, como reconheceu o ministro das Finanças, o dólar é transaccionado a uma taxa de 1:430, enquanto no mercado oficial essa taxa é de 1:166. Bem se vê que, sendo a taxa no mercado paralelo 2,5 vezes superior à taxa oficial, esta é uma mera ficção que não espelha a realidade, apenas permitindo, justamente, manter o negócio paralelo.
Neste sentido, e do ponto de vista macroeconómico, a fixação de uma elevada taxa de câmbio entre o dólar e o kwanza tem como efeito a perda da competitividade das exportações angolanas e a sua inserção no mercado global, não promovendo o emprego e o crescimento económico.
Banda cambial
É portanto urgente sair desta situação, prejudicial para todos, excepto para os oligarcas do regime.
O governador do Banco Nacional de Angola, José de Lima Massano, apresentou a nova solução: uma alteração do regime cambial de Angola, que passará pela criação de uma banda que deverá limitar a variação da taxa de câmbio, após o seu ajustamento inicial. A medida faz parte do Programa de Estabilização Macroeconómica 2017 – 2018 da República de Angola.
Aparentemente, segundo se percebeu pelos anúncios das autoridades monetárias, o kwanza passará a flutuar dentro de uma banda, tendo como referência um cabaz de moedas constituído pelo dólar e pelo euro. Não se conhecem as percentagens que cada moeda ocupa nesse cabaz, nem a percentagem de flutuação admitida, embora já se saiba que os valores cambiais serão obtidos de acordo com a média do leilão das transacções de divisas efectuadas no mercado primário entre o banco central angolano e os bancos comerciais. Desde já se diga que tal procedimento comporta perigos de manipulação dos números, como aconteceu na praça de Londres a propósito do cálculo da Libor. Quer isto dizer que é possível apresentarem-se ao mercado taxas de câmbio diferentes das efectivamente praticadas, não contribuindo este método de cálculo para a transparência dos mercados.
Vamos tentar dar um exemplo de como, em geral, funcionaria o novo sistema de câmbio em banda.
O cabaz de referência seria composto em 50% por dólar e euro. Chamar-se-ia, para simplificar, DE (Dólar + Euro). No dia de lançamento desta solução, a cotação seria estabelecida em 1DE:400 kwanzas. Depois, no dia seguinte 1 DE poderia valer 390 kwanzas, e noutro dia 410 kwanzas. Isto é, o kwanza oscilaria entre 390 e 410, tendo partido do valor de referência de 400. O banco central angolano só interviria quando o kwanza saísse dessa banda situada entre os 390 e os 410, comprando ou vendendo euros e dólares.
Primeiro problema
Desde logo, o sistema só será eficaz se o valor de lançamento for semelhante àquele que o mercado espera, ou seja, próximo do valor usado pelas kínguilas. Por isso, à partida, este novo sistema implica uma efectiva desvalorização inicial do kwanza, caso contrário não adianta nada. É uma pura brincadeira. Tem muita importância ver qual o valor de partida do novo sistema e ver em quanto efectivamente o kwanza foi ou não desvalorizado. Só uma efectiva desvalorização combaterá o mercado paralelo e criará postos de trabalho.
Segundo problema
Uma outra questão a resolver é a dos meios à disposição do banco para manter o kwanza dentro das bandas de flutuação. Pode acontecer que o kwanza corra o risco de sair da banda em desvalorização. Aí, o banco tem de ter divisas para comprar kwanzas e vender dólares e euros, e rapidamente pode ficar sem elas… e assim o kwanza estoira as margens de flutuação, abalando a credibilidade da República.
Isto lembra uma história que aconteceu em Inglaterra em 1992, e que envolveu o Banco de Inglaterra e o mundialmente conhecido George Soros.
O sistema de câmbios europeus, antes do euro, consistia naquilo que se denominou SME -Sistema Monetário Europeu. Este sistema tinha uma unidade de conta central composta por um cabaz de moedas (o ECU), face ao qual as moedas do sistema tinham bandas de flutuação, inicialmente de 2,25%, com algumas excepções, como já veremos, e, depois de 1993, de 15%.
Em Outubro de 1990, o Reino Unido resolveu aderir a este sistema e adoptou uma banda de flutuação de 6%. Ou seja, a libra inglesa poderia subir ou descer 6% face à unidade central de referência (ECU). No caso angolano, essa unidade central de referência será um conjunto dólar + euro.
Ora, no caso inglês, as condições macroeconómicas eram muito diferentes das dos países centrais da Europa, como a Alemanha, que se debatia com problemas resultantes da unificação. Por isso, o Reino Unido confrontou-se com o facto de ter uma ligação com uma realidade que não era a sua, e portanto várias tensões começaram a fazer-se sentir, e a libra ficou sob pressão, pois percebia-se que as suas margens de flutuação eram artificiais. George Soros foi o investidor que começou a tomar posição no mercado contra a libra, apostando que esta sairia rapidamente da sua banda.
Na verdade, a pressão dos mercados contra a posição da libra (e aliás de outras moedas) no sistema europeu foi-se amontoando, e todos os dias o governo britânico tinha de gastar milhões para suportar o valor da moeda e subir as taxas de juro, até que, a 16 de Setembro de 1992, na iminência de ficar sem fundos, anunciou a sua saída do sistema de bandas flutuantes e a livre oscilação da libra.
A economia inglesa, depois desta crise, começou a recuperar e, com a livre flutuação da libra, encontrou o seu espaço próprio.
Este é o problema com que se depara a economia angolana. Estas bandas de flutuação exigem um esforço desmesurado do tesouro angolano, quando provavelmente este não tem reservas suficientes para as garantir.
Solução ou disfarce
Assim sendo, a solução parece ser um paliativo para ir disfarçando a necessidade de deixar flutuar a moeda até encontrar o seu nível natural. Esta é também a única forma de pôr fim ao mercado paralelo, e lançar a economia numa vaga de crescimento e emprego.
Não se percebe bem por que é que o governador do Banco Nacional de Angola, José de Lima Massano, que estudou em Inglaterra pouco depois de estes acontecimentos terem ocorrido (mestrado em Contabilidade e Finanças pela City University, Londres, 1996; licenciatura em Contabilidade e Finanças pela University of Salford, 1995), adoptou agora uma solução que falhou redondamente num país que ele próprio conhece bem. Há que ter coragem de reformar a economia com um big bang, e não com medidas tecnicistas pouco adequadas à realidade angolana.