Caso n.º 2 Um mau trabalho
Vítimas: Domingos António Gaspar “Milton”, 25 anos; Lameth Pepito Laurindo “Lami-Py”, 20 anos, ambos naturais de Luanda
Data: 30 de Setembro de 2017
Local: bairro da Mabor, município do Cazenga
Ocorrência:
Por volta das três da madrugada, os jovens Milton e Lami-Py dirigiam-se a casa, no bairro da Mabor, vindos de uma festa na Casa Dubai, no bairro Hoji-Ya-Henda, quando foram apanhados na perseguição de dois supostos delinquentes, um dos quais conhecido por Jó do Boy, por operacionais do SIC.
Segundo testemunhas oculares, os quatro agentes estavam devidamente identificados com coletes do SIC, e faziam a perseguição a pé, enquanto outros dois seguiam num Toyota Land-Cruiser branco de vidros fumados.
António Domingos Miguel, pai de Milton, narra o sucedido através dos depoimentos recolhidos junto dos vizinhos e outras testemunhas oculares.
A 28 de Setembro, na cidade de Malanje, onde ambos viviam, Milton informara-o de que visitaria a mãe em Luanda naquele fim-de-semana. E assim fez.
“A 50 metros de casa, os jovens foram surpreendidos pelo SIC. Os vizinhos que escutaram pela janela disseram-me que o meu filho ainda conversou com os homens do SIC. Explicou-lhes que vivia em Malanje, tinha terminado o curso de electrónica.”
Durante a conversa, um dos agentes fez um disparo para o chão e, segundo dois jovens que assistiam, a bala atingiu a perna esquerda de Milton, que logo gritou por socorro. Uma vizinha abriu a porta para atestar o bom carácter dos jovens.
“Os rapazes imploraram, disseram que nunca foram bandidos. Os homens do SIC ainda consultaram as suas listas de alvos a abater, mas um deles fez logo um disparo que atingiu Milton no peito. O meu filho morreu na estrada”, conta o pai.
Por sua vez, Lameth, ao ver o amigo tombado, encetou a fuga aos gritos de socorro. Tentou entrar em casa da vizinha, que, em vão, alertou os perseguidores de que os jovens eram “bons” filhos do bairro. “Cala a boca e fecha a porta, se não queres morrer”, ameaçou um dos agentes, segundo depoimentos recolhidos no local.
Lameth fugiu por um beco sem saída, o mesmo por onde seguira Jó do Boy. Escondeu-se na casa de banho (separada da casa) de uma vizinha.
“Fuzilaram-no na casa de banho, à queima-roupa, com um tiro do lado direito da cabeça e outro da testa, no canto onde estava de cócoras. Deixaram-no aí”, relata um dos vizinhos.
“O meu vizinho Bebucho, que assistiu a tudo, foi quem apanhou o Jó do Boy na fuga.
Os agentes algemaram-nos a ambos e ali mesmo perguntou ao Bebucho se este os tinha visto a matarem os seus amigos. Libertaram-no”, conta o pai de Milton.
Acto contínuo, os agentes conduziram Jó do Boy à 13ª Esquadra da Polícia Nacional, do Hoji-ya-Henda.
Os corpos dos malogrados foram recolhidos pelo SIC, por volta das cinco da manhã, sem qualquer perícia legal. O comandante Quintas, dirigiu-se ao local do crime para se inteirar do caso e, diante de vários residentes, disse apenas: “Mais um mau trabalho.” O seu comentário gerou algazarra entre os moradores e vizinhos dos jovens assassinados, tendo o pai de Lameth, o oficial das FAA, Pepito Laurindo, acalmado os ânimos. A Esquadra do IFA [Comando da III Divisão da Polícia Nacional no município do Cazenga], é onde opera o famoso executor Pula-Pula, descrito em vários casos aqui reportados.
“O Jó do Boy foi morto nessa mesma noite pelo SIC, e o seu corpo depositado directamente na morgue. Os familiares foram ter com o meu vizinho, que explicou apenas tê-lo agarrado. Um agente teve pena da família e, a 2 de Outubro, informou-os de que o Jó do Boy fora morto no mesmo dia e que o seu corpo se encontrava na morgue, entre os não identificados”, refere o pai.
Para António Domingos Miguel, “o comando municipal da Polícia Nacional no Cazenga sabe quem fez o trabalho. Estão a esconder os assassinos”.
“O Toledo, chefe de buscas e capturas, teve a ousadia de me perguntar — na minha cara — se o meu filho e o amigo não eram do grupo do Jó do Boy”, denuncia.
“Precisamos de justiça. É uma dor que não vai acabar. Eu estava a formar este filho”, lamenta.
A propósito de Toledo, vale a pena evocar a memória do assassinato de três jovens a 3 de Junho de 2014.
Memória sobre o Toledo
“Os três jovens assassinados a 3 de Junho, na Zona do Golf II, por indivíduos identificados como sendo membros do Grupo Operativo da 32ª Esquadra da Polícia Nacional, foram a enterrar hoje no Cemitério da Camama, em Luanda.
Joice Neto assistiu ao assassinato dos três jovens, incluindo do seu irmão mais velho, Damião Zua Neto “Dani”, de 27 anos, a poucos passos da sua residência. O Maka Angola esteve nos funerais e deslocou-se ao local do crime, onde Joice reconstituiu os momentos do ataque.
O Assassinato
Pouco depois do meio-dia, do seu quarto, Dani pediu à irmã para ir atender à porta, supondo ser um cliente interessado em comprar gelado de múcua, que a família produz e vende em casa.
Joice Neto saiu à rua, ouviu um estrondo e viu uma viatura Hyundai Accent imobilizada, com dois ocupantes, na esquina da rua, enquanto uma viatura Toyota Hiace bloqueava a estrada e alguns dos seus ocupantes saíam armados. Ao reconhecer um amigo ao volante, o seu irmão saiu de casa e dirigiu-se ao carro, “para saber o que se passava”, contou Joice.
Ainda de acordo com o seu depoimento, “os agentes deram dois tiros para o ar, para afugentar as pessoas, e depois dispararam contra o meu irmão. Um tiro atingiu-o na cabeça e outro na virilha”.
“Comecei a gritar ai, meu irmão! Ai, meu irmão! O meu irmão levantou a cabeça, olhou-me apenas e morreu. Eu estava a gritar demais”, acrescenta Joice.
Seguiu-se uma saraivada de tiros contra o carro. O amigo de Dani que se encontrava ao volante da viatura, Gosmo Pascoal Muhongo Quicassa “Smith”, de 25 anos, morreu cravejado com 14 tiros, concentrados na parte esquerda do corpo, segundo o resultado da autópsia, revelado ao Maka Angola pelo padrasto
Manuel Contreiras, de 26 anos, foi atingido no pé. Desceu da viatura e, segundo as testemunhas, implorou aos executores que poupassem a sua vida, porque tinha pedido apenas uma boleia até à estrada principal, onde deveria apanhar um táxi até Viana e dali o transporte para a sua terra natal, na província de Malanje.
“O assassino olhou-o apenas. O motorista do Hiace desceu da viatura e com a AK atingiu o meu irmão no abdómen e deu-lhe outro tiro na cabeça”, lamentou Samuel Contreiras, irmão do malogrado.
As primeiras testemunhas informaram o Maka Angola de que Manuel se encontrava no assento de trás. A informação errada deveu-se à disposição em que os corpos se encontravam quando as testemunhas se aproximaram do local do crime. Dani morreu junto à roda da frente, do lado direito da viatura, e Manuel, que dela descera, foi abatido junto às portas. (…)
Quem matou?
O irmão mais velho de Manuel, Tiago Contreiras, em casa de quem aquele pernoitara e com quem tinha tomado o pequeno-almoço bem cedo, é primeiro subchefe do Posto Policial do Fubu, no município de Belas.
Depois dos assassinatos, Tiago Contreiras foi chamado pelo oficial Beto Kinjila, chefe da Linha Operativa do Kilamba Kiaxi, que dispõe de um gabinete no referido posto.
“O chefe Beto informou-me de que o grupo operativo, comandado pelo Toledo, tinha abatido três marginais no Golf e ordenou-me que fosse com uma patrulha fazer a remoção dos corpos. Eu disse que aquela zona era da responsabilidade da Unidade do Kilamba Kiaxi e saí para cuidar de outra missão”, disse ao Maka Angola o subchefe Tiago Contreiras.
Vários minutos depois, alguns familiares, não tendo conseguido telefonar-lhe, apareceram no posto, para o informar do sucedido.
Só então me apercebi de que os meus colegas mataram o meu irmão. Fui perguntar ao senhor Beto Kinjila sobre quem matou aqueles três marginais. Nessa altura, ele [Beto Kinjila] já sabia que os seus homens tinham matado o meu irmão. Então, ele disse-me que eu estava a acusá-lo e que faria uma informação a pedir a minha demissão e expulsão da polícia”, conta Tiago Contreiras.
“Eu conheço bem o Toledo, sabia que ele ia ao volante do Hiace. E todos os outros elementos, depois disso, vieram ao Posto. São colegas. Só não sabia que tinham assassinado o meu irmão”, disse o policial enlutado no dia a seguir aos assassinatos. (…)