A trajectória de Lopo do Nascimento, actual deputado do MPLA na Assembleia Nacional, como a voz moderada, credível e crítica do regime, é digna de um livro. Durante muitos anos, vários sectores da sociedade, quer no seio do regime quer no seio da oposição e da sociedade civil, alimentaram a esperança de que Lopo do Nascimento seria o candidato presidencial ideal para congregá-los. Viam nele uma reserva moral da política nacional. No entanto, também se reconhecia em Lopo do Nascimento, que já ocupou os cargos de primeiro-ministro e secretário-geral do MPLA, falta de coragem para enfrentar abertamente o presidente José Eduardo dos Santos e o seu círculo de poder pessoal.
A respeitabilidade política cultivada por Lopo do Nascimento passou a ser questionável quando, em 2011, assumiu o cargo de presidente do Conselho-Geral e de Supervisão da Coba, uma das maiores empresas portuguesas de consultoria em engenharia civil e ambiental.
Em 2010, Lopo do Nascimento formou um consórcio empresarial com a empresa pública Sonangol, que adquiriu 49 porcento da Coba, ao mesmo tempo que era deputado na Assembleia Nacional.
Lopo do Nascimento, continua a exercer, cumulativamente, as funções de deputado e de presidente da Coba, baseada em Portugal.
Segundo a Constituição, o mandato de deputado é incompatível, entre outros, com “o exercício de funções de administração e gerência ou de qualquer cargo social em sociedades comerciais e demais instituições que prossigam fins lucrativos”. A Constituição estabelece, também, como incompatível, “o exercício de relações jurídico-laborais subordinadas com empresas estrangeiras ou organizações internacionais”.
Já a Lei da Probidade define como acto de enriquecimento ilícito a obtenção de vantagem económica “para intermediar a disponibilização ou a aplicação de verba pública de qualquer natureza”.
Por altura da conclusão do negócio, em 2011, o presidenta da Coba, Ricardo Oliveira,
disse ao
Diário Económico que “há cerca de um ano, o grupo de Lopo de Nascimento propôs-nos fazer esta parceria, um processo que está agora concluído”. Na altura, ninguém questionou, como a Sonangol, empresa pública, pode ter feito parte do grupo empresarial constituído pelo deputado do MPLA, para o efeito.
Em
entrevista ao
Público, na altura, Ricardo Oliveira explicou a estrutura accionista da Primagest, a empresa angolana que ficou com a Coba: “Já referi que o líder do consórcio é a Sonangol, e o líder da Sonangol é o engenheiro Manuel Vicente. Ao ser o líder tem a maioria do capital. Outra pessoa fundamental para nós é o doutor Lopo do Nascimento, que é parte desse consórcio e que já é nosso parceiro em Angola. Há também um banco angolano, e não preciso saber mais. Se houver mais alguém, será alguém que tem uma posição minoritária”.
Não há qualquer informação pública sobre o montante investido pelo consórcio angolano ou sobre a contribuição financeira do Estado angolano, através da Sonangol, para a referida empreitada. O relatório e contas da Sonangol, de 2011, não faz qualquer referência ao seu investimento na Coba, assim como não a inclui entre as suas associadas.
Por ocasião do 50° aniversário da Coba, celebrado no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, Lopo do Nascimento
discursou perante uma audiência de 700 convidados, na sua qualidade de accionista de referência e presidente do Conselho-Geral e de Supervisão da Coba.
“No próximo ano iremos a Argélia e juntamente com a Sonangol contamos entrar em três novos países africanos. Estes movimentos deverão ser realizados em perspectiva idêntica à que utilizámos em Angola, no âmbito de parcerias com empresários locais”, disse Lopo do Nascimento na ocasião.
Conclui-se então que a Sonangol dá para tudo.
No entanto, a questão fundamental mantém-se: porquê e para quê o país precisa de leis, mesmo quando os representantes eleitos do povo e as suas reservas morais não as respeitam?
A Constituição é clara quanto às incompatibilidades de Lopo do Nascimento, ao acumular funções de deputado com um cargo social de uma sociedade comercial. Ademais, o deputado do MPLA mantém uma relação jurídico-laboral com uma empresa estrangeira. Como presidente do Conselho-Geral e de Supervisão, o deputado tem responsabilidades legais para com a Coba, contrariando o disposto na Constituição da sua pátria.
Na realidade, são vários os deputados do MPLA engajados na prática de acumulação de funções incompatíveis. Em abono da verdade, já há deputados da oposição que também seguem a mesma prática, com a mesma convicção de impunidade. Caso paradigmático é o do antigo secretário-geral da UNITA e actual deputado à Assembleia Nacional, Lukamba Paulo “Gato”, que preside, cumulativamente, ao conselho de administração da Yoka, uma empresa de empreendimentos e investimentos.
Dada a frequência destas prácticas e a impunidade com que são abertamente mantidas, a Assembleia Nacional bem pode rasgar a Constituição e declarar Angola um Estado de Anarquia.